E os ventos continuam a soprar de Buenos Aires a Beijing? China se consolida como um parceiro preferencial para a Argentina

27 de junho de 2023

 

 Por Giovanna Mendes Carvalho, Isabella Pedroso Lucino, Lucas Barbosa Oliveira, Ester Gonzalez de Souza e Ana Tereza Marra (Imagem:Twitter/Alberto Fernández)


 

Discutimos a consolidação da China como um parceiro preferencial para a Argentina diante dos desafios econômicos enfrentados pelo país sul-americano. Destaca-se a renovação de um acordo de swap entre os dois países, permitindo que a Argentina pague pelas importações em moeda chinesa, o que alivia problemas no balanço de pagamentos do país e contribui para a internacionalização do renminbi. A Argentina enfrenta dificuldades econômicas, como a desvalorização da moeda e a seca que afeta a produção de commodities. A China tem sido uma importante fonte de recursos para a Argentina, por meio de empréstimos, comércio e investimentos.


No ano passado, o OPEB publicou um texto no qual apontava que os ventos de Buenos Aires sopravam em direção a Beijing, destacando o aumento da intensidade das relações Sino-Argentinas e como elas estavam se tornando, para o país sul-americano, uma alternativa para enfrentar desafios econômicos. Em 2023, essa percepção foi reforçada. A renovação de um acordo de swap – acordo que permite a operação cambial direta entre pesos e renminbi, sem a necessidade de uma moeda intermediária, o dólar – entre os países, em junho, no valor de cento e trinta bilhões de yuans (equivalente a cerca de dezoito bilhões de dólares), deve permitir à Argentina pagar pelas importações em Renminbi, moeda chinesa, o que pode contribuir para aliviar problemas no balanço de pagamentos do país. Por outro lado, para a China, o acordo pode contribuir para a internacionalização de sua moeda. Enquanto para o Brasil, o acordo pode significar uma perda de espaço político e econômico no país vizinho.

Dificuldades argentinas

 

A desvalorização da moeda, isto é, a queda brusca de seu valor e, consequentemente, de seu poder de compra se comparada com outras moedas, é um dos vários problemas econômicos que a Argentina tem enfrentado ao longo dos últimos anos (como mostra o gráfico 1), que tem sido aprofundado na atual conjuntura pela elevação da taxas de juros nos EUA.

 

Gráfico 1 – Peso argentino em relação ao dólar americano


https://lh6.googleusercontent.com/dck_RvrmZnzubI8h5h0R2Dy7xFzeiNtZxZ_1nuMTsQsckYlA9QfYTHIexxHi87-d2iyOuHtW1HRWmZskHQIhvqpl-7UKOGQTaSkVnp1pVr-0HENyOZT-gnsYX1fao8hV-H5sFvwIE4Gosi__HDRS-k4

Fonte: Google Finance


A desvalorização da moeda se, por um lado, tende a contribuir para turbinar as exportações, por outro, torna mais caro para o país pagar dívidas no exterior denominadas em dólar. No caso argentino, em específico, no qual a economia já conta com alto grau de dolarização, a desvalorização impulsiona o envio de rendas e capitais para fora do país, contribuindo para manter-se uma espiral de desvalorização da moeda.

 

Segundo o presidente Fernández, a culpa desses recentes acontecimentos é da direita argentina que opera no mercado de câmbio retirando sua lucratividade. Destaca-se que no país, o acesso legal a dólares pela população é difícil e a cotação do câmbio praticada pelo Banco Central argentino é constantemente burlada por agentes do mercado, que a criticam dizendo que ela não reflete a realidade. O dólar blue, que é uma das cotações do dólar no mercado paralelo de câmbio, e que chega a ter o dobro do preço das cotações oficiais, acabou por se tornar uma alternativa, para agentes do mercado financeiro e pessoas comuns, para fugir da espiral inflacionária que afeta o país, sendo muito utilizado na compra e venda de bens duráveis, como carros, imóveis e para determinar o valor dos bens e serviços em pesos. Nos últimos meses, essa modalidade da moeda americana sofreu uma alta expressiva, chegando ao valor recorde de quatrocentos e noventa e cinco pesos em abril.

 

Outra questão que tem prejudicado a economia argentina em 2023 é o problema na produção de commodities do país, que tem sofrido com a maior seca dos últimos 60 anos, impactando safras de produtos como soja, milho e trigo e, consequentemente, as exportações, as quais sofreram redução de 74% nos dois primeiros meses de 2023 comparados ao desempenho de 2022, reduzindo as quantidades de dólares que entram no país em um momento de alta procura pela moeda. Nesse sentido, a Argentina tem demandado muitos dólares para manter os pagamentos das suas transações correntes, porém, enfrenta dificuldades para conseguir a moeda. Essa situação não é nova para os argentinos, que ao longo das últimas décadas celebraram vários acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para lidar com seus problemas de balanço de pagamentos. Em março deste ano, o FMI já havia desembolsado cinco bilhões e quatrocentos milhões de dólares ao país como parte da revisão do acordo que o país havia celebrado com a instituição um ano antes. Ainda assim, os problemas persistiram.

 

A China como alternativa

 

Na última década, a China tem se mostrado uma importante fonte de recursos para a Argentina. Dados do China-Latin America Finance Database mostram que entre 2005 e 2022, contabilizou-se 13 empréstimos de bancos chineses, sendo que a Argentina está em primeiro lugar na lista de países da região que mais realizam projetos com empréstimos de bancos comerciais chineses. Estes empréstimos concentraram-se especialmente nos setores de energia e transportes, totalizando o valor de US$17 bi. A relação econômica entre os países é intensa ainda na área comercial, na qual a China aparece como 2ª maior parceira do país, e nos investimentos, destacando-se os investimentos diretos chineses (para exemplificar, no ano de 2022, um total de um bilhão de trinta e quatro milhões foi investido no setor metalúrgico argentino por empresas chinesas, em 2023 foi anunciado investimento de um bilhão de dólares em um projeto hidrelétrico no país).

 

Os swaps cambiais entre os países têm ocorrido desde 2009. O primeiro acordo de swap realizado entre eles, contudo, expirou e não foi renovado, pois permitia apenas o uso do RMB para pagamento de importações chinesas e o interesse argentino era usar a moeda para acessar dólares no mercado internacional. O novo acordo realizado entre os países, em 2014, passou a permitir o uso para tal finalidade e foi utilizado pela Argentina para lidar com a crise de liquidez que sofria naquele momento. Assim, para a Argentina, o acordo foi impulsionado pela limitação do país em acessar dólar. Para a China, o acordo significou uma oportunidade de internacionalização da sua moeda, o RMB, mas mais do que isso, a ascensão do país como uma importante alternativa de recursos para a Argentina.

 

O acordo de swap renovado agora em 2023, durante a viagem do Ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, à China envolve um montante de cento e trinta bilhões de yuans (cerca de dezoito bilhões de dólares) e possui um prazo de três anos. A expectativa do governo argentino é que a iniciativa impulsione as reservas cambiais do país, que em meio a profunda escassez de dólares, encontram-se em níveis preocupantes.

 

Na semana anterior, Sergio Massa já havia sinalizado que deixaria de pagar em dólar-americano as importações oriundas da China, substituindo a moeda estadunidense pelo yuan, com a finalidade de preservar as escassas reservas de dólares do país. Assim, é possível perceber que enquanto no passado o mecanismo de swap com a China foi utilizado pela Argentina, principalmente, para acessar dólares nos mercados externos, motivado por uma vulnerabilidade de seu balanço de pagamentos, agora, o mesmo mecanismo – ainda servindo ao objetivo de lidar com problemas nas contas externas – passa a contribuir para a diversificação de uso das moedas no comércio internacional argentino e, mais diretamente, para a internacionalização da moeda chinesa como um meio de pagamento global. Para a Argentina, ainda, o uso do RMB reduz o risco cambial e pode agilizar as operações de importação que têm sido prejudicadas pela escassez de dólar.

 

Impactos para o Brasil

 

Nos últimos anos, Brasil e Argentina passaram por um relativo processo de afastamento. Na esfera política, Bolsonaro não possuía boas relações com o presidente argentino. Durante a pandemia, em decorrência dos impactos causados na economia do país pela COVID-19, o Brasil chegou a perder para a China o posto de maior parceiro comercial da Argentina (retomando em 2022). Contudo, a Argentina tem sido um mercado essencial para o Brasil, principalmente para a vendas de produtos manufaturados. Assim, a crise no país vizinho preocupa, pois pode afetar as exportações brasileiras.

 

Com a chegada de Lula à presidência, o cenário das relações bilaterais melhorou, com a Argentina sendo o primeiro país visitado pelo presidente. Contudo, do lado econômico, a cooperação bilateral ainda precisa de maior operacionalização prática. Em maio, o governo brasileiro começou a discutir com a Argentina linhas de crédito voltadas à exportação de produtos brasileiros, o que poderia ser um caminho para permitir a continuidade do consumo argentino de produtos brasileiros durante a crise. Contudo, as linhas de crédito ainda não saíram da ideia para a realidade. É o mesmo caso do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) que deve permitir que a Argentina pague pelas compras brasileiras em reais. O mecanismo ainda está em discussão pelos países e não há calendário de implementação. 

 

Se por um lado parece haver entendimento por parte do governo brasileiro de que a Argentina é um parceiro prioritário com o qual é possível alavancar mais a cooperação econômica, por outro, a capacidade da China de oferecer soluções de forma mais rápida e eficiente, é o que faz com os ventos de Buenos Aires soprem mais para Beijing do que para Brasília. Lembra-se que a Argentina entrou recentemente na Iniciativa Belt and Road, projeto chinês de investimentos em infraestrutura e outras áreas, e já se mostrou como candidata para entrar no BRICS. A atratividade das iniciativas decorre da participação chinesa, mostrando-se que a China tem se tornado uma parceira preferencial da Argentina.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *