19 de outubro de 2023
Por Ana Claudia Paes, Bruno Fabricio Alcebino da Silva, Caio Vitor Spaulonci e Juliana Valente Marques (Imagem: Christian Medina / Asamblea Nacional)
No dia 15 de outubro, os Equatorianos foram às urnas para escolherem no segundo turno o próximo presidente do país, cujo mandato valerá apenas até maio de 2025, completando a vigência eleitoral das eleições de 2021, interrompida pelo acionamento da cláusula da “morte cruzada” pelo ex-presidente Guillermo Lasso.
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Com 100% das urnas apuradas, o candidato da direita, o empresário-herdeiro Daniel Noboa, obteve mais de 52% dos votos válidos, o que representa mais de 5 milhões de votos, enquanto sua concorrente, a candidata do correísmo, Luisa González, obteve cerca de 48% do apoio eleitoral. Ainda que o correísmo – movimento ligado ao ex-presidente Rafael Correa – possua grande força no país, o anticorreísmo cresceu nos últimos anos, o que também contribuiu para a vitória de Daniel Noboa por meio da transferência de votos de candidatos da direita e centro-direita.
A campanha para o segundo turno foi marcada por promessas para combater a criminalidade e violência, uma vez que a segurança pública é o principal debate no país uma vez que, nos últimos anos, sofre constantemente com o aumento de rebeliões e assassinatos nos presídios e nas ruas. O assasinato do candidato Fernando Villavicencio em plena campanha eleitoral foi um dos fatores decisivos para a ascensão da direita nas eleições. Enquanto a candidata González prometeu a construção de novas prisões – para resolver a questão da superlotação de presídios e as condições insalubres que muitos presos são submetidos -, Noboa propôs que os criminosos mais perigosos deveriam ser presos em barcos-prisões, e que iria usar a tecnologia no combate ao crime. Ambos candidatos propuseram o aumento da segurança nas fronteiras e o combate ao tráfico de drogas, que possui ligação direta com o aumento da criminalidade no país, no entanto, as propostas e discursos mais radicais de Noboa o destacaram no fim da corrida eleitoral.
O que está acontecendo no Equador?
Um dos problemas mais urgentes que o Equador enfrenta é o aumento significativo da violência nos últimos seis anos. Os números são claros e inegáveis: a violência tornou-se uma realidade perturbadora com a taxa de homicídios a um recorde de 26 por 100.000 habitantes em 2022, quase o dobro do ano anterior. Os crimes, incluindo homicídios e assaltos, dispararam, criando um ambiente de medo e insegurança para a população. É um desafio que afeta todos os estratos da sociedade e que se manifesta de maneira especialmente crítica em algumas áreas urbanas. A escalada da violência, sem dúvida, tem um impacto direto na vida cotidiana dos equatorianos, que agora vivem com o constante temor da criminalidade.
À vista disso, Noboa parece querer replicar no país a conduta de Nayib Bukele, presidente de El Salvador. Bukele é conhecido por adotar uma abordagem rígida em relação à segurança, fortalecendo as forças de segurança e priorizando o encarceramento como parte fundamental de seu governo. Sob sua liderança, El Salvador inaugurou o maior presídio das Américas em uma medida que desafia as normas internacionais de tratamento de detentos. Essa política agressiva de segurança se reflete em altas taxas de encarceramento e no questionamento dos direitos humanos.
Além dos desafios relacionados à violência e à política de segurança, o Equador enfrentou uma tragédia adicional: a pandemia de COVID-19. Com uma população de cerca de 18 milhões de habitantes, o país registrou mais de 67 mil mortes devido à doença, uma porcentagem significativa de sua população. Durante os momentos mais críticos da pandemia, cenas desoladoras de cadáveres amontoados nas ruas de Guaiaquil chamaram a atenção do mundo para a gravidade da situação.
A pandemia colocou uma pressão avassaladora sobre o sistema de saúde do Equador, revelando vulnerabilidades e desafios no enfrentamento de crises de saúde pública. Além disso, destacou a necessidade de políticas de saúde e preparação para emergências mais robustas.
Além da crise de segurança pública, o país enfrenta uma grave crise econômica, que resultou em cerca de 200 mil equatorianos a deixarem o país em busca de condições melhores, somente entre 2021 e 2022. Mesmo com a eleição de um novo governo e Assembleia, em um mandato de apenas 17 meses, não haverá espaço para implementação de uma reforma fiscal, como dita necessária, e tampouco o país poderá utilizar recursos do FMI, que emprestou ao governo Lasso 6,5 bilhões de dólares entre 2020 e 2022. Estima-se para o final do ano um déficit fiscal de 5 bilhões de dólares e um crescimento de apenas 0,8%, levando a considerações de especialistas sobre o aumento do imposto IVA e a retirada de subsídios, como o subsídio sobre os combustíveis, o que agravaria a situação da população.
Sobre o futuro do país, Luisa González, após o anúncio da vitória de Daniel Noboa, reconheceu o resultado e ressaltou a necessidade de reconstruir o país: “Cuente con nuestro apoyo para construir esa patria digna. Ecuador necesita unidad…Basta de odios, de polarización. El Ecuador necesita sanar. Cuentan con nosotros para un acuerdo común, de patria“. No âmbito da Assembleia Nacional, o movimento correísta Revolução Cidadã possui parte significativa das cadeiras. Além disso, vale destacar os bons resultados da campanha correísta – liderada por uma mulher representante da esquerda – que, apesar de representar uma mudança drástica no viés político do país – da direita de Lasso para a tentativa de continuidade das políticas de esquerda do correísmo – perdeu com pouca diferença nas urnas.
Quem é Daniel Noboa
Filho de Álvaro Noboa, político equatoriano que disputou e perdeu disputas presidenciais no país por seis vezes, o mais novo presidente do Equador é herdeiro de um conglomerado de empresas, com a principal e mais conhecida delas sendo a Exportadora Bananera Noboa, exportadora de bananas. As empresas da família Noboa não estão protegidas de acusações de más condições de trabalho e nem de corrupção, entretanto, o avanço de Noboa na corrida eleitoral se deu com o apoio da imprensa tradicional e do empresariado equatoriano, impulsionados pelo sentimento do anti-correísmo.
Sendo um candidato jovem, Nobua utilizou muito as redes sociais durante a sua campanha, publicando vídeos sobre sua rotina para se aproximar do eleitorado, apesar das polêmicas acerca de sua nacionalidade. O candidato nasceu em Miami, nos Estados Unidos, mas se apresentou como natural do Equador nos primeiros momentos da corrida eleitoral. Apesar dos escândalos, tanto da sua nacionalidade como das empresas de sua família, a intenção de votos no herdeiro equatoriano subiu de 4% para os 52% dos votos válidos que garantiram a sua vitória.
A vida política de Noboa, diferente de seu pai, começou apenas em 2021, quando foi eleito deputado e se tornou presidente da Comissão de Desenvolvimento Ecônomico do Parlamento. Para conquistar o eleitorado jovem, além das redes sociais, Daniel Noboa também focou as suas propostas nas coisas nos quais os jovens equatorianos precisam: fortalecimento do setor privado para a geração de emprego e a luta contra a criminalidade. Entretanto, com menos de dois anos de governo e minoria das cadeiras no parlamento, a governabilidade de Noboa fica em cheque.
O contexto eleitoral
As duas candidaturas que estavam em disputa, lideradas por Luisa González e Daniel Noboa, representam projetos político-econômicos distintos para a sociedade equatoriana.
Segundo o professor Manuel Macias Balda, diretor do programa de Ciências Políticas da Universidade de Guaiaquil, Daniel Noboa representa a elite econômica da agroindústria equatoriana, que visa usar o Estado para atender a seus interesses próprios. No entanto, o grande enfoque de sua campanha recaiu sobre a dívida que o conglomerado empresarial de seu pai, Alvaro Noboa, tem com o Estado em impostos, tornando esta uma questão crítica que poderia ser priorizada caso ele assuma a presidência.
A concessão de perdões de dívidas a grandes devedores no passado, como o ocorrido no governo de Guillermo Lasso e do ex-presidente Lenín Moreno, ilustra a possibilidade de acordos que beneficiam interesses privados em detrimento do Estado e levanta preocupações sobre a possível continuidade deste tipo de abordagem de desmonte do aparato estatal.
Luisa González, segundo análise do professor Balda, foi escolhida como candidata pela sua lealdade ao grupo correísta, com a perspectiva de abrir caminho para que Rafael Correa retorne ao país e seja candidato nas próximas eleições, um cenário semelhante ao de Lula no Brasil. A expectativa de um retorno de Correa ao cenário político equatoriano poderia potencialmente gerar instabilidade política em 2024.
A socióloga equatoriana Erika Silva sublinha a diferença fundamental entre os dois candidatos. Daniel Noboa, associado à oligarquia tradicional, representa a classe dominante mais atrasada do país, com dívidas tributárias e obrigações patronais pendentes. Ele também expressou o desejo de realizar uma consulta popular que, segundo Silva, poderia envolver reformas que revogariam direitos dos trabalhadores. Um movimento semelhante ao ocorrido no Brasil nos governos Temer e Bolsonaro.
Por outro lado, Luisa González está ligada a um projeto político claro, a Revolução Cidadã, que já governou o país por uma década. Sua declaração de que Correa seria seu principal assessor reflete a continuidade dessa trajetória política, caso tivesse sido eleita.
Os debates entre os candidatos tiveram um impacto variado nas percepções e preferências do eleitorado. A opinião pública sobre quem se saiu melhor nos debates difere, mas em geral, o professor Manuel Balda acredita que os debates não tiveram um grande impacto na mobilização de votos, uma vez que quem assistiu provavelmente já tinha uma ideia clara de seu candidato preferido.
As pesquisas que antecederam o pleito apontavam que a vantagem de Daniel Noboa havia diminuído desde o primeiro turno, levantando a possibilidade de um resultado mais equilibrado no segundo turno. As pesquisas do primeiro turno indicavam que Luisa González enfrentaria Jan Topic, mas o cenário mudou, destacando a imprevisibilidade do cenário político equatoriano.
O futuro do país
O Equador enfrentou um período eleitoral atípico e desafiador que culminou com a vitória de Daniel Noboa no segundo turno. Noboa deve assumir o cargo presidencial em dezembro, substituindo Guillermo Lasso, que antecipou as eleições após uma disputa com o Legislativo que ameaçava sua permanência no cargo devido a acusações de corrupção.
A transição de poder no Equador é um momento crítico que se inicia com o novo presidente assumindo a responsabilidade de liderar o país até maio de 2025. Neste período, o governo de Noboa enfrentará uma série de desafios complexos que demandarão uma liderança firme e uma abordagem estratégica. Uma das principais questões será a resolução das tensões políticas que persistem no país, resultantes do antecipado processo eleitoral e da polarização entre os projetos político-econômicos representados pelos candidatos que disputaram o pleito.
É crucial que o novo presidente promova a reconciliação e a estabilidade política, buscando construir consensos e garantindo que o país possa avançar em direção a um futuro mais seguro e próspero. Além disso, a capacidade de lidar com as questões relacionadas à corrupção e ao fortalecimento das instituições democráticas será fundamental para restaurar a confiança dos cidadãos na política equatoriana.
O período eleitoral no Equador também foi marcado por um aumento alarmante da violência, uma realidade antes inimaginável em um país que sempre foi reconhecido por sua paz. A escalada da violência foi patrocinada principalmente pelo crime organizado, com o narcotráfico desempenhando um papel significativo nesse cenário. Tragicamente, políticos foram assassinados durante a campanha, incluindo o candidato à presidência Fernando Villavicencio, um acontecimento que chocou a nação. O novo governo já afirmou se comprometer com as pautas de segurança pública e, a população espera que exista uma melhoria no Estado equatoriano, apesar da comprovação histórica de que a criminalidade não diminui com propostas extremas, uma vez que a violência aumenta exponencialmente no Equador, apesar do aumento no índice de prisões e penalidades.
A cientista política equatoriana Maria Villareal destacou que, apesar desse contexto sombrio, a realização das eleições de forma pacífica e a alta participação do eleitorado (81%) representaram uma vitória da democracia. Os candidatos reconheceram o resultado, demonstrando um compromisso com a estabilidade democrática do país. Isso é um sinal positivo de que a democracia no Equador tem raízes profundas e pode resistir a desafios significativos.
Além das questões políticas, o novo governo também terá de lidar com as complexas demandas sociais e econômicas que afetam a população equatoriana. A pandemia da COVID-19 acentuou as desigualdades e os desafios econômicos, tornando ainda mais urgente a necessidade de políticas que visem à recuperação e ao desenvolvimento sustentável.
Um dos marcos significativos da recente votação foi a decisão do referendo de suspender a exploração de petróleo em uma área de floresta amazônica na fronteira com o Peru, um conflito histórico. Essa escolha representa o compromisso do povo equatoriano com a preservação ambiental e a proteção das terras indígenas. O novo governo deve se comprometer com uma abordagem responsável em relação ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que busca desenvolver a economia do país de forma sustentável.
À medida que o Equador entra em um novo capítulo de sua história política, é fundamental que o novo governo priorize a unidade, a estabilidade democrática, a justiça social e o desenvolvimento sustentável, com a determinação de construir um futuro melhor para seu povo.