China vê recursos petrolíferos brasileiros como oportunidade estratégica durante pandemia

Por Rafael Almeida Ferreira Abrao

A questão energética continuará a ser um fator fundamental nas relações entre Brasil e China, apesar do discurso xenófobo adotado pelo governo brasileiro.

Em janeiro de 2020, a produção de petróleo no Brasil alcançou o nível recorde de 3,2 milhões de barris por dia. Não obstante a queda nos preços internacionais do petróleo, a redução na demanda mundial e as dificuldades das empresas petrolíferas executarem trabalhos em meio a adoção de medidas de distanciamento social e contenção da Covid-19, a produção de petróleo no Brasil continuou a alcançar novos recordes ao longo do ano. 

Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as exportações brasileiras chegaram a 62,1 milhões de barris de petróleo em maio de 2020, uma alta de 41% em relação ao mesmo mês do ano anterior, que foi proporcionada pela expansão da produção nos campos da Petrobras no pré-sal. Ao ser questionado sobre o aumento das exportações, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, declarou que “se nós tivéssemos mais petróleo disponível, a China teria comprado”. A frase se refere ao fato de que, durante a pandemia, a China expandiu as suas importações de petróleo, mesmo com a queda na sua demanda interna, fomentando o aumento das exportações brasileiras. As refinarias chinesas viram na queda dos preços internacionais uma oportunidade de abastecer seus estoques e, como resultado, a China passou a ser o destino de 70% das exportações de petróleo do Brasil

De exportadora a importadora

É interessante notar que, no passado, a China foi um país exportador de petróleo e o ritmo acelerado de crescimento econômico resultou na sua transformação em um importador líquido a partir de 1993, tornando-se mais adiante o maior consumidor mundial de energia em 2011, superando os Estados Unidos. O país se tornou cada vez mais dependente de importações de petróleo no seu processo de desenvolvimento: em 2000, a taxa de dependência de importações (ou seja, importações/consumo) era de 30%, em 2010 correspondia a 51%, e alcançou o patamar de 58% em 2016, segundo dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos. 

Dessa forma, ter acesso à energia e, ademais, ter acesso à energia barata passou a ser uma prioridade na política externa chinesa e se tornou nos últimos anos um elemento fundamental das relações entre Brasil e China. Enquanto a China necessita cada vez mais da compra de petróleo para satisfazer a sua demanda doméstica e garantir sua segurança energética, o Brasil tem impulsionado a sua indústria petrolífera com projetos offshore na camada de pré-sal.

Em 2020, enquanto outras economias enfrentaram longos lockdowns como medida de contenção da Covid-19, a China e outros países da Ásia passaram por períodos mais curtos e, em alguns casos, regionais, de restrições para conter o vírus. Neste cenário, o Brasil se tornou o terceiro maior fornecedor de petróleo para a China, atrás apenas de Rússia e Arábia Saudita. 

 

Vendas brasileiras em expansão

A expansão das exportações brasileiras ocorreu em meio a um acordo para cortes de produção em níveis recordes em outros países produtores de petróleo como, por exemplo, nos países da OPEP+, grupo formado pelos onze países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e outros dez países produtores de fora do bloco. O acordo inclui dois dos maiores produtores mundiais e fornecedores chineses, Arábia Saudita e Rússia. Ao todo, os 21 países se comprometeram a cortar um total de 9,7 milhões de barris diários na produção. Portanto, o Brasil ampliou sua fatia de mercado e acelerou o processo de consolidação do país entre os maiores produtores e exportadores globais de petróleo.

O impressionante resultado mostra que a questão energética continuará a ser um fator fundamental nas relações entre Brasil e China, apesar do discurso xenófobo adotado pelo governo brasileiro, conforme discutido em outro texto. Após dizer durante a sua campanha eleitoral, em 2018, que “a China não compra no Brasil, a China compra o Brasil”, Jair Bolsonaro teve que pedir ajuda às estatais petrolíferas chinesas para que a Petrobras não fosse a única a participar do mega leilão da Cessão Onerosa, realizado em novembro de 2019. Na ocasião, Paulo Guedes afirmou que “As 17 maiores petroleiras do mundo não compareceram (…) O presidente teve que pedir para uma empresa chinesa comparecer e não ficar só a Petrobras no leilão”. As estatais China Southern Petroleum Exploration and Development Corporation (CNODC) e China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) entraram em um consórcio com a Petrobras, com participação de 5% cada uma, enquanto a empresa brasileira aportou 90% do valor total de R$ 68,19 bilhões

Essa situação evidencia o descolamento da realidade presente no discurso bolsonarista e demonstra o potencial de efeitos econômicos negativos caso as relações com o principal parceiro comercial do país e maior importador de petróleo do mundo continuem sob ataque.

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