Paraguai, a longa sobrevivência colorada

06 de setembro de 2023


Por Acauã Alexandre José dos Santos, Ivan Cersosimo Valverde, Luiza Rodrigues de Oliveira e Mônica Almeida Peña (Imagem: Pixabay)


Governado pelo mesmo partido quase que ininterruptamente desde 1947, o Paraguai tem no Brasil um importante parceiro comercial. O país busca ampliar as exportações de produtos para o Brasil, ao mesmo tempo em que se esforça para desenvolver sua agricultura e avançar no setor energético. Além disso, o Paraguai tem demonstrado interesse em reverter a situação alarmante de violência de gênero presente em seu território, mas os avanços ainda não são palpáveis.


A importância mútua entre Paraguai e Brasil e o andamento do Governo Peña


Desde a Guerra da Tríplice Aliança, encerrada há um século e meio, as relações entre Brasil e Paraguai sempre foram intrincadas. Isso vale para o intenso comércio entre as cidades gêmeas Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, até assuntos como a usina hidrelétrica binacional de Itaipu, passando pelo fato de facções do crime organizado operarem dos dois lados da fronteira. O Brasil é líder em investimentos estrangeiros no país desde 2021, como exposto pelo próprio ministro da Economia paraguaio, Carlos Fernández Valdovinos, em entrevista ao Valor Econômico no último dia 31 de agosto.


Esse cenário, conforme o que diz o ministro, torna interessante o pragmatismo na administração pública, buscando substituir gradualmente determinadas importações que o Brasil faz de produtos chineses de baixo valor agregado, já que a China vem diminuindo – ou, ao menos, desacelerando – seu investimento nessa área, assim aproveitando o baixo custo de mão de obra e alta produtividade paraguaia. 


Valdovinos acredita que seria um cenário de ganha-ganha, uma vez que a empregabilidade no Brasil não estaria em jogo, por se tratar somente de uma substituição das importações de baixo valor agregado chinesas. O governo do novo presidente Santiago Peña acredita que todas as discussões e planejamentos têm de passar pelo Mercosul. “Nada fora dele” tem repetido Peña em várias entrevistas, fazendo coro com diretrizes do Governo Lula. Nesse aspecto, Assunção se diferencia do que prega o atual governo Luis Alberto Lacalle Pou no Uruguai. Peña vai além e defende que o Mercosul seja palco para discussões climáticas. Apesar do ministro reconhecer que as discussões entre os países do bloco sejam demoradas, ele crê ser esta a maneira correta de lidar com temas do comércio internacional.


Democracia e hegemonia “colorada”


O Paraguai possui um processo histórico-político pelo qual se desenvolveu uma disputa hegemônica-institucional entre dois partidos nos últimos 30 anos. O Partido Colorado, do qual Peña faz parte, governa o país quase ininterruptamente há 66 anos. Fundado em 1887, representa a direita autoritária, nacionalista e que se equilibra entre o liberalismo econômico e o conservadorismo social. Sua principal liderança foi o general Alfredo Stroessner, que comandou a mais longa ditadura da América do Sul, entre 1954 e 1989.

Já o Partido Liberal Radical Autêntico foi fundado em 1978, em oposição à ditadura Stroessner, e se pauta pelo liberalismo socioeconômico. A agremiação integrou a frente que levou Fernando Lugo à presidência (2008-2012). Lugo foi derrubado por um golpe parlamentar similar ao de Dilma Rousseff no Brasil. No Paraguai, a celeridade do processo foi digna de nota: Lugo teve apenas 24 horas para preparar sua defesa e duas horas para apresentá-la. Em jogo de cartas marcadas, foi derrotado por 39 votos a 4 no Senado.


Empossado no último dia 15 de agosto, o colorado Santiago Peña venceu a disputa eleitoral embalado num discurso economicista e anticorrupção. O atual governante é um economista de 44 anos, com formação nos Estados Unidos e uma passagem pelo Fundo Monetário Internacional. Foi ministro da Fazenda durante o governo de Horácio Cartes (2013-2018). Peña apresentava-se como técnico e se filiou à agremiação depois de entrar no governo. Cartes foi investigado pela Lava Jato e, durante a campanha para a eleição de 2023, Peña teve que dar explicações sobre seu antigo chefe.


A aproximação entre o economista e o partido parecia natural devido ao fato do pai de Peña ter sido secretário privado de Stroessner. A vitória colorada representa a manutenção hegemônica no Paraguai, estabelecida com poucas interrupções desde agosto de 1948, com o então presidente Juan Natalicio González.


Os projetos de Peña


O presidente Lula compareceu à posse de Santiago Peña, em agosto. Tendo o Brasil como seu principal parceiro comercial e abrigando a 3ª maior comunidade brasileira fora do Brasil, a presença de Lula, dentre outros líderes de Estado, marca a defesa da estabilidade na região. No dia 15 de julho, Peña já havia sido recebido pelo governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos-SP), em uma reunião para prospecção de futuros negócios e estreitamento de laços. Na oportunidade, recebeu a medalha da Ordem do Ipiranga, mais alta honraria concedida pelo Estado de São Paulo.


A vitória de Peña representou uma derrota para “Payo” Cubas, liderança ascendente da extrema-direita paraguaia. Mesmo externando diversas declarações xenofóbicas e anti-institucionais, Cubas alcançou significativos 22% dos votos. Uma de suas intervenções que virou polêmica foi a de que haveria “100 mil ‘brasileiros bandidos no país’ que deveriam ser mortos”.


A renegociação do tratado de Itaipu


A energia gerada na usina de Itaipu, embora importante, não é o ponto principal na relação entre Brasil e Paraguai. Santiago Peña diz que receber maiores pagamentos pela energia não é o ponto principal nas relações com o vizinho, mas sim seu uso da eletricidade para gerar empregos e movimentar a economia. Entretanto, o governo paraguaio pede mudanças no acordo sobre a usina que pertence aos dois países. O acordo de Itaipu foi firmado em 1973, mas foi em 1984 que a usina começou a funcionar, abastecendo cerca de 20% do território brasileiro e 90% do Paraguai.


Os dois países detém participações iguais sobre a energia gerada em Itaipu. Contudo, como sua construção foi quase integralmente bancada pelo Brasil, o país vizinho integraliza a dívida daí decorrente em fornecimento de energia. O montante estará quitado até dezembro.

A partir daí, a pretensão paraguaia é de vender a energia excedente ao Brasil, ou a outros países interessados, a preço de mercado. O Brasil, por sua vez, tem expectativa pela redução de tarifas para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, cujas distribuidoras adquirem por lei a energia de Itaipu.


A renegociação inclui ainda o Anexo B do tratado, que prevê a construção de uma eclusa de navegação – obra de engenharia que permite que as embarcações subam e desçam rios em locais onde há desníveis -, para ligar a hidrovia Tietê-Paraná com os portos na Argentina e no Uruguai. Entretanto, nesses 50 anos, a obra não foi feita.


A questão do trabalho e do agro no Paraguai


O país tem tentado (com relativos sucessos localizados) descolar os focos principais de sua economia para outros setores além da produção energética, buscando atender diversas demandas agrícolas. O governo paraguaio tem feito esforços para tentar envolver sua população na produção agrícola familiar, para assegurar algum grau de estabilidade frente a indústria alimentícia estrangeira.


A violência de gênero no Paraguai


A realidade das mulheres do Paraguai é semelhante à realidade de suas vizinhas latino-americanas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 1 em cada 3 mulheres e meninas de 15 a 49 anos nas Américas já sofreu violência física e/ou sexual por parceiro ou não parceiro. Além de consequências extremas como homicídio ou suicídio, esse tipo de violência causa problemas a curto, médio e longo prazos, para a saúde física, mental, sexual e reprodutiva das sobreviventes.


O Paraguai já foi um país com predominância de população feminina como consequência da Guerra da Tríplice Aliança (Brasil/Argentina/Uruguai contra Paraguai). Segundo a historiadora, socióloga e ativista feminista argentina, Dora Barrancos, em História dos Feminismos na América Latina, o conflito acarretou a perda de cerca de 80% de sua população masculina.


Com o passar do tempo, essa diferença deixou de existir. De acordo com o Instituto Nacional de Estadística (INE), em 2022, o país contava com uma população de 7.453.695 habitantes, sendo 50,3% de homens e 49,7% de mulheres. O direito ao voto feminino foi conquistado somente em 1961, com a promulgação da Lei de “Derechos Políticos de la Mujer”.


Em 1992, foi criada, por lei, a Secretaria de la Mujer, subordinada à Presidência da República, com o objetivo de defender a participação das mulheres na vida política, familiar e econômica. Em 2012, a Secretaria se transformou no Ministério de la Mujer, tendo também como objetivos: prevenir e atender todo e qualquer caso de violência. O Ministério é responsável, entre outras coisas, pelo atendimento a mulheres das áreas urbana e rural, com serviços em unidades descentralizadas pelo país para assistência a vítimas de violência de gênero.


Em 2016, foi promulgada a Lei nº 5777, de proteção integral às mulheres e contra toda forma de violência. Essa lei penaliza qualquer forma de agressão e discriminação contra as mulheres. Também estabelece, entre outros direitos, que as mulheres têm direito à vida; à integridade e à saúde física, mental e psicológica; à educação; à dignidade; à liberdade; à igualdade perante a lei; à liberdade de pensamentos, consciência e expressão; à intimidade; de propriedade; de acesso à justiça; de participarem dos assuntos públicos; de não serem submetidas a tortura ou a penas cruéis ou desumanas.


Apesar da existência da lei, entre 2019 e 2022, foram registradas no país 143 mortes violentas de mulheres por razão de gênero, o que corresponde a, aproximadamente, um feminicídio a cada 10 dias, de acordo com dados do Banco Mundial. Os casos ocorreram em todas as regiões do país. As vítimas estão concentradas na faixa de 18 a 44 anos, mas podem ser encontradas em todas as faixas etárias, de um a 69 anos. Na maior parte das vezes, o crime foi praticado por pessoas próximas às mulheres, como maridos, companheiros, irmãos e filhos. São relativamente poucos os casos praticados por estranhos.


Mesmo o Paraguai sendo um dos 193 países que se comprometeram em 2015, na ONU, a cumprir com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até o ano de 2030, a situação das mulheres está longe de ser a ideal. O combate à desigualdade de gênero e a busca pelo fim da violência contra a mulher fazem parte do objetivo nº 5 dos ODS. Em 2018, o Ministério de la Mujer, com a assessoria da ONU Mulheres, lançou o IV PlaNI – Plano Nacional de Igualdad – 2018-2024, que procura cumprir seu compromisso pela busca da igualdade entre mulheres e homens, incluído o ODS 5 da Agenda 2030.


O IV PlaNI tem o objetivo de “avançar para uma igualdade real e efetiva, eliminando os obstáculos que a dificultam ou impedem e eliminando todas as formas de discriminação”. O plano pretende criar condições para que o país chegue em 2030 com igualdade de gênero em diversos campos, inclusive com a diminuição dos números de feminicídios e casos de violência contra as mulheres.


Porém, até o momento, todas essas medidas não têm obtido a eficácia desejada. Segundo registros do Observatorio de Igualdad y No Discriminación do Centro de Documentación y Estudios vinculado ao Ministério de la Mujer, até o mês de julho foram registrados 31 casos de feminicídio, incluídos 3 casos de paraguaias mortas no exterior.

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