O futuro da indústria automobilística no Brasil

21 de setembro de 2023

 

Por Dante Apolinário, Gabriel Horacio de Jesus Soprijo, Lívia Romano F. da Cruz, Mariana Barboza Cerino, Natália Martinho (Imagem: Unsplash)¹ 

 

Os carros elétricos têm se tornado cada vez mais presentes em diversos países do mundo e possuem papel importante para a transição energética para fontes de energia mais sustentáveis. China, Estados Unidos e a União Europeia têm efetuado altos investimentos nesse mercado e o Brasil apresentou, recentemente, políticas e parcerias com o intuito de popularizar esse tipo de veículo. O Brasil tem o desafio de se inserir nesse mercado e investir também em outros tipos de combustíveis não fósseis, adotando uma postura altiva e ativa na direção do desenvolvimento sustentável, lançando mão inclusive dos biocombustíveis.

 

Carros elétricos em 2023: Contexto Global 

 

Como resultado de agendas ambientais de transformação ecológica, a transição para carros com emissão zero tem se tornado um dos principais desafios em países que prosseguem no objetivo de um desenvolvimento verde. De tal modo, o impulso à eletrificação de transportes e particularmente à indústria do carro elétrico, tem se mostrado uma movimentação em processo de difusão cada vez mais elevado no mercado internacional. Principalmente em decorrência da liderança e mobilização acentuada da China, Europa e EUA nesse setor, a indústria automobilística global indica um direcionamento irreversível em sentido da transição para a eletrificação dos carros, configurando uma nova geração tecnológica da indústria. Segundo dados da Agência Internacional de Energia, em três anos, a participação total dos carros elétricos mais do que triplicou (de 4% em 2020 para 14% em 2022). Nesse mesmo período, a China aumentou as suas vendas no setor em cerca de seis vezes; A União Europeia, em cerca de duas vezes; os Estados Unidos, em mais de três vezes. 

 

A presença dessa tecnologia tem não somente aumentado fortemente desde 2021, mas também deve continuar em aumento progressivo nos próximos anos. Ainda, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), já no primeiro trimestre de 2023 houve um aumento de cerca de 25% na venda de carros elétricos no mundo em relação ao mesmo período do ano passado, e é esperado que as vendas totais do ano superem em 35% o ano de 2022. 

 

Dados como esses são resultados de conjunto de incentivos aos meios de produção, manutenção e consumo particulares dos carros elétricos. A China é, atualmente, a principal produtora e vendedora de veículos movidos por eletricidade no mundo e teve impressionante crescimento em suas vendas nos últimos dois anos. O aumento de 1,3 milhão para 6,8 milhões de unidades vendidas no ano de 2022 consagrou o oitavo ano consecutivo no qual o país dominou esse mercado, representando mais da metade das vendas globais de carros elétricos. O domínio chinês nesse cenário se dá devido à atuação do governo, através de subsídios, isenções fiscais, estratégias para competitividade e outros incentivos. Estes foram essenciais para o desenvolvimento tanto da oferta, a partir de uma indústria automobilística nacional renovada, quanto para a construção de um mercado consumidor interno receptivo. 

 

A Europa, até pouco tempo pioneira na venda global de carros elétricos, é a segunda das principais regiões que fomentam a eletrificação dos automóveis. Quanto às ações mais recentes, por exemplo, foram aprovadas dentro da União Europeia duas leis importantes para esse cenário. Uma primeira, proíbe a venda de carros novos que emitem CO2 a partir de 2035, mantendo os motores de combustão, mas sob a condição do uso de combustíveis sintéticos ou biocombustíveis. A segunda, denominada por Regulamento de Infraestrutura de Combustíveis Alternativos (AFIR – sigla em inglês), em suma, viabilizará reforço na infraestrutura de carregadores para carros elétricos, visando facilitar e popularizar ainda mais o uso do carro elétrico na região. Para além da UE, a Noruega como o país de maior frota de carros elétricos, é o exemplo regional do resultado de incentivos governamentais e de infraestrutura suficientes que levaram a esse quadro. 

 

No caso dos Estados Unidos, o mercado tem mostrado também crescimento considerável na venda de carros elétricos. Os esforços do governo estadunidense no decorrer de 2022 ao fim contribuíram para que houvesse um aumento de 55% na venda de carros elétricos. Agora em 2023, esforços mais recentes do governo Biden se mostram a partir de novos financiamentos de incentivo à transição a veículos elétricos, envolvendo a liberação de US$12 bilhões para que montadoras renovem suas instalações visando a produção de veículos elétricos. Além disso, o Ministério de Energia planeja disponibilizar US$3,5 bilhões para a rede elétrica e incentivar a produção de baterias para veículos no país. As próprias empresas americanas também apostam nos modelos elétricos dos seus veículos para zerar a sua emissão de carbono. A Ford, que encerrou a produção de veículos no Brasil em 2021, por exemplo, espera que zere toda a sua emissão de carbono no continente europeu até 2035. Como parte dessa estratégia, vai investir US$2 bilhões em Colônia, na Alemanha, e firmou um memorando de entendimento não vinculativo com a empresa sul-coreana SK On Co. e a turca Koç Holding para a criação de uma das maiores instalações de baterias para veículos elétricos na região europeia.

 

Por fim, é claro que, os países mencionados representam  grandes economias com disponibilidade de altos aportes governamentais para mobilização dessas estratégias. No entanto, o Brasil também tem o desafio de  mobilizar esforços para sua inserção nesse mercado em transição. A presente expansão das empresas automobilísticas chinesas pode, nesse sentido, significar oportunidades tanto para a atração de investimentos, quanto como impulso para o incentivo nacional de renovação do próprio parque industrial de automóveis no Brasil. 

 

É importante lembrar, porém, que, se por um lado o Brasil está atrasado no que diz respeito à eletrificação do transporte, por outro lado, ele está liderando o uso de biocombustíveis como alternativa à gasolina, diesel e até querosene.

 

Discussão em políticas governamentais 

 

O setor automobilístico brasileiro enfrenta um problema de mercado. Segundo dados publicados pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) em seu anuário de 2023, de 2019 até 2020, a produção caiu em cerca de 35%, mas de 2020 até 2022 a produção cresceu apenas 13%. A produção total de automóveis ainda não atingiu o seu nível anterior à pandemia da COVID-19. Diante disso, o governo lançou em julho um programa de apoio de curto prazo que tentou estabelecer uma ponte com a política de médio prazo de apoio à modernização do setor rumo a zero emissões.

 

Por meio dessa política, veículos de até R$120 mil terão incentivos, estimando um desconto entre 1.5% e 10,9% no valor final para o consumidor. A política considera critérios para a concessão dos incentivos, um deles é o ambiental, com maiores incentivos para carros menos poluentes. Dessa maneira, carros que utilizam de um sistema elétrico para funcionamento encaixam-se em um dos critérios pré-estabelecidos. Além disso, foram estabelecidos os critérios social e de densidade industrial – por meio destes, respectivamente, carros mais baratos e  que apresentarem mais peças produzidas em solo nacional recebem maiores descontos. O programa vem sendo amplamente utilizado pelas empresas do ramo. Estima-se que, após dois meses do lançamento, 84% dos incentivos já tenham sido utilizados.

 

Enquanto as montadoras instaladas no Brasil estão tentando recuperar esse mercado de automóveis tradicionais, a China apareceu com outros planos para o Brasil. A BYD, líder global em veículos elétricos, pretende se instalar no Brasil a partir das antigas instalações da Ford na Bahia. Ela anunciou em junho desse ano um investimento inicial de R$3 bilhões para produzir carros e veículos pesados elétricos, além de um centro de pesquisa e produção de minérios, como lítio, essencial para a produção de baterias. A ideia é abrir mil postos de trabalho para produzir 150 mil veículos por ano, inicialmente. Mas também nesse caso, a montadora exige concessões fiscais. Os últimos detalhes da negociação para a instalação da empresa foram acordados com o presidente Lula, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Nas negociações, foram discutidas questões como isenções tributárias como PIS/COFINS e IPI. Sobre as isenções, o Governador confirmou que é cogitada até mesmo uma linha de financiamento via BNDES, estimulando tanto produção como consumo. A empresa já possui uma sede em Campinas, interior de São Paulo, onde são produzidos ônibus elétricos. Outra gigante chinesa que chegou ao Brasil com a nova tecnologia é a Great Wall Motors (GWM) que chegou em 2021 comprando a antiga fábrica da Mercedes em Iracemápolis, no interior de São Paulo. Ela, inclusive, domina também a tecnologia para produção de caminhões elétricos. 

 

Para além das chinesas, as montadoras tradicionais instaladas no Brasil também começam a pensar na modernização do parque automobilístico no Brasil, embora em ritmo lento. A General Motors, por exemplo, que testa novas tecnologias em pólos distintos no estado de São Paulo: um em Indaiatuba, interior do estado, e um em São Caetano do Sul, na região do ABC Paulista. 

 

Apesar de, no último ano, ter sido registrado no Brasil quase 50 mil carros híbridos, o que representa um aumento de 41% em relação ao registrado em 2021, isso corresponde a apenas 2,5% do total vendido em 2022. O cenário nacional é atualmente dominado por veículos híbridos importados. Como resultado, os modelos comercializados nacionalmente têm preços a partir de R$150 mil. Não à toa, um dos obstáculos mais significativos para a população é o preço, apesar do fato de que eles desfrutam de isenção de imposto de importação desde 2015, algo que deve acabar em breve, inclusive para incentivar a produção no país. Há discussões no Congresso sobre o uso de incentivos fiscais para automóveis elétricos ou híbridos, e alguns Estados já aplicam isenção do IPVA.

 

Oportunidades de um papel protagonista para o Brasil no setor 

 

Embora atrasado na eletrificação, o Brasil tem um outro triunfo para zerar as emissões de CO2 dos carros: os biocombustíveis. E ainda há o potencial de se transformar em um grande produtor de hidrogênio verde, que pode ser um combustível de emissões zero produzido a partir de energia eólica, solar ou biomassa.

A produção de etanol no Brasil já está muito bem estabelecida, tanto dos etanóis anidros extraídos da cana-de-açúcar e do milho (para a mistura com gasolina), quanto do etanol hidratado de cana-de-açúcar (usado diretamente como combustível). O governo Lula anunciou que a pretensão é aumentar o % de mistura de etanol na gasolina do atual 27% para 30%. No caso do diesel, o governo já aumentou em abril o percentual de mistura de biodiesel de 10% para 12% e pretende chegar a 15% nos próximos anos. Com isso o Brasil é de longe o país líder no uso de biocombustíveis. Não à toa foi um dos países que liderou a criação da Aliança Global de Biocombustíveis junto com a Índia e os EUA durante a recente Cúpula do G20. 

A alemã Volkswagen aposta inclusive no Brasil nesta opção. Sendo uma das únicas marcas a não oferecer modelos híbridos ou elétricos, a empresa aposta em investir no etanol. É importante porem que haja investimentos para aumentar a eficiência do motor flex

Em relação ao hidrogênio verde, o Brasil apresenta grande potencial de produção, podendo auxiliar em um posicionamento estratégico nos planos de descarbonização de diversos países, principalmente os europeus. O hidrogênio verde é obtido por meio da eletrólise da água, utilizando energia limpa e renovável, sem emissão de CO2 e separando o hidrogênio do oxigênio por através de corrente elétrica. Dentre os diferentes usos para essa nova tecnologia, estão a demanda no mercado interno, um “estoque de eletricidade” e, o que mais interessa para esse artigo, a aplicabilidade para combustíveis.

Considerações finais 

 

O setor automobilístico representa uma das indústrias mais revolucionárias na história da humanidade e foi responsável por transcender fronteiras, promovendo a integração regional e facilitando os processos de circulação. Contudo, essa indústria também é uma das mais poluentes do planeta, sendo responsável por 20% das emissões globais de CO2.

 

Assim, fica claro que, seja por meio da eletrificação de automóveis, pela adoção de combustíveis não fósseis, ou pelo uso de hidrogênio verde, é evidente a necessidade mundial de efetuar a transição energética o mais rápido possível para mitigar os efeitos do aquecimento global. 

 

Já de domínio público o conhecimento de que o setor automobilístico é um setor com um peso econômico grande  e, por essa razão, observa-se o movimento das grandes potências mundiais no sentido de acompanhar a transição energética e de dominar este mercado em expansão. Ainda que as parcerias com as empresas internacionais, sobretudo chinesas, sejam muito benéficas, o Brasil precisa apropriar-se dessa tecnologia para inserir-se neste mercado, por meio de políticas e incentivos mais agressivos.

 

O Brasil é um país com grande disponibilidade de matérias primas para a produção de combustíveis não fósseis, sendo pioneiro na utilização de combustíveis como o etanol e o biodiesel. Há grande potencial para aumentar a eficiência energética desse setor para contribuir muito mais com a descarbonização do transporte. A eletrificação dos automóveis por aqui, no entanto, ainda é muito diminuta e incapaz de chegar às camadas populares devido aos altos preços e baixa infraestrutura para a utilização desses veículos no país. Em um primeiro momento há um potencial grande de expandir a eletrificação dos ônibus elétricos como parte de uma política de modernização do transporte público urbano.

 

¹Agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte

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