A possibilidade de uso da entrada na OCDE como moeda de troca da preservação ambiental e a paradiplomacia brasileira

27 de março de 2021

Por Catarina Bortoletto; Lucas Rocha; Luís Gustavo Branco; Yamila Goldfarb

Diante do atual desgoverno federal e sua posição ideológica e negacionista que têm minado a reputação e a imagem internacional do país, os estados e os municípios têm, por meio da paradiplomacia, se mostrado cada vez mais importantes em negociações internacionais, na busca por investimentos, negócios e comércio.

A prática da “Nova Política Externa Brasileira”  (nome auto proclamado da atual gestão do Itamaraty) já não vinha rendendo bons frutos anteriormente, mesmo no cenário de alinhamento (ou subordinação explícita) do Brasil para com o governo Trump. No entanto, essa aliança ideológica neofascista entre os dois Estados teve fim com a posse de Joe Biden como presidente norte americano. Biden anunciou em sua campanha que disponibilizaria 20 bilhões de dólares para o combate ao desmatamento brasileiro e ainda afirmou que se as medidas ambientais não fossem cumpridas o Brasil sofreria consequências econômicas significativas. Todavia, agora já empossado como presidente, Joe Biden enviou recentemente uma carta ao presidente Jair Bolsonaro defendendo que os dois países unam esforços no combate à pandemia do Covid-19 e nos desafios da agenda ambiental. 

Porém, a boiada continua passando e o afrouxamento da legislação ambiental ainda faz parte da realidade brasileira, quadro que tende a se agravar com a eleição da deputada federal Carla Zambelli como presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Legislativa. A Comissão tende a se tornar mais um “braço armado” do grupo bolsonarista, cuja “artilharia” aponta para a biodiversidade brasileira. Se antes o Congresso funcionava como barreira para o avanço do desmonte, agora esse cenário muda e o governo federal passa a ter uma Câmara muito mais alinhada a sua agenda com a nova composição das comissões, particularmente as de Meio Ambiente, Constituição e Justiça e Agricultura, todas agora presididas por governistas. 

Nesse trágico cenário atual que atinge a saúde pública, a economia e o meio ambiente, o acordo Mercosul-UE continua estagnado por conta da prática da atual gestão do executivo federal no que tange o meio ambiente. Recentemente, o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo culpabilizou “grupos de interesse” europeus pela estagnação do acordo, afirmando que “não seria legítima a  preocupação com o meio ambiente”, mas sim com outras causas.

Bolsonaro e seu anseio pela entrada na OCDE

Considerando os embates internacionais sobre a temática do meio ambiente, outra agenda se torna relevante para a política externa brasileira: o interesse do Brasil em se tornar membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Conhecida como “grupo de países ricos”, esta é uma organização composta por 37 países e tem como objetivo o fomento de boas práticas nos temas de economia, comércio, democracia e meio ambiente. Participar da OCDE é um tema central na política externa do governo Bolsonaro, uma vez que feito isso, o país receberia um “selo de qualidade” na economia, atraindo mais investimentos e, consequentemente, novas oportunidades de negócios e aumento da confiabilidade perante aos demais países. Contudo, a entrada na OCDE não é simples, demanda uma série de negociações e avaliações dos países membros, tendo em vista que a organização procura países capazes de cumprir as normas e comportamentos exigidos, garantindo assim, o seu status na geopolítica mundial.

Como dito anteriormente, um dos temas mais sensíveis para a OCDE é o meio ambiente, exigindo “boas práticas” ambientais de seus países membros. Os resultados do Brasil neste tema  impactam a entrada brasileira na organização. Não obstante, a Human Rights Watch (HRW) – organização internacional de direitos humanos, não governamental e sem fins lucrativos -, cuja missão é defender e investigar violações dos direitos humanos, apresentou uma carta a John Kerry – enviado especial dos Estados Unidos para o Clima. Nesta carta, a HRW reuniu sugestões de como a Casa Branca deve atuar tendo em vista os embates ambientais no Brasil. Dentre as sugestões, a entidade pede que Joe Biden utilize o interesse do governo Bolsonaro na entrada da OCDE como moeda de troca para a redução das taxas de desmatamento, de impunidade para crimes ambientais e de violência contra ambientalistas e comunidades indígenas

Outra sugestão apresentada pela HRW, consiste na ideia de que Biden busque os governadores dos estados que abrangem a Amazônia brasileira, já que possuem grande parte da responsabilidade pelo combate ao desmatamento (tendo em vista o modelo federalista brasileiro) e se apresentam dispostos a receber apoio internacional, diferentemente do presidente Jair Bolsonaro. Para a entidade, “o maior obstáculo para salvar a Amazônia atualmente é o próprio governo Bolsonaro”. 

Paradiplomacia como possível solução

Diante do atual desgoverno federal e sua posição ideológica e negacionista que têm minado a reputação e a imagem internacional do país, os estados e os municípios vêm, por meio da paradiplomacia (relações internacionais conduzidas por governos subnacionais ou regionais por conta própria), se mostrando cada vez mais, entes importantes em negociações internacionais na busca por investimentos, negócios e comércio e, diante da pandemia da Covid-19, em  compras de vacinas e insumos hospitalares

De acordo com Gilberto Rodrigues, professor de relações internacionais da UFABC e membro do Observatório de Política Externa Brasileira (OPEB – UFABC), a paradiplomacia no Brasil não é algo novo, tem se realizado há cerca de quatro décadas em harmonia com o governo nacional. Mas, sob a presidência de Jair Bolsonaro, a paradiplomacia ganhou relevância inclusive sendo realizada de forma conjunta entre diferentes estados e municípios por meio de consórcios estaduais, como o Consórcio Nordeste e o Consórcio Interestadual Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, e por frentes tais como a Frente Nacional de Prefeitos.  

A postura negacionista do Presidente da República ao culpar ONGs e indígenas pelas queimadas na Amazônia e até instituições internacionais por uma “campanha de desinformação” sobre a Amazônia e o Pantanal, já geraram outro resultado negativo ao país: a interrupção dos repasses provenientes da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia.  

Diante desse cenário, a paradiplomacia se mostra como alternativa para os estados e municípios localizados na Amazônia obterem investimentos estrangeiros que conciliam desenvolvimento e preservação do bioma. Assim, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, formado por todos os estados da região Norte, além de Mato Grosso e do Maranhão, vem negociando a retomada dos repasses para o Fundo Amazônia, além de articular com a ONU a criação de um Fundo de Multidoadores das Nações Unidas, que visa o financiamento de ações que acelerem o desenvolvimento sustentável da região. 

Recentemente, a coalizão Governadores pelo Clima, coalizão de 21 governadores brasileiros comprometidos com o enfrentamento da crise climática, enviaram uma carta ao presidente dos EUA Joe Biden com o intuito de criar uma parceria para proteção ambiental. A iniciativa procura lançar os governadores como atores que se comprometem com a proteção da floresta, o reflorestamento e o desenvolvimento de uma economia verde. Dessa forma, a coalizão Governadores pelo Clima busca atrair investimentos dos EUA para lançar o Brasil como um país que pode ter uma economia de base ecológica. 

Por sua vez, a carta do HRW reforça a necessidade de cooperação internacional com os estados e municípios brasileiros para assegurar a preservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Em suma, o que o Governo Federal não faz, outros atores tentam fazer. No entanto, nem mesmo o interesse em entrar na OCDE parece segurar a boiada do governo federal. 

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