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Saudável pretensão

 

Por Gilberto Maringoni¹, Ismara Izepe de Souza² e Bruno Alcebino³

 

ESTE LIVRO É FRUTO DA PRODUÇÃO do Grupo de Trabalho em América Latina do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) da Universidade Federal do ABC (UFABC) entre os meses de março e novembro de 2023. Ele é composto por 53 artigos elaborados por 24 pesquisadores e foram publicados originalmente na newsletter eletrônica e no site do Observatório. São abordadas questões políticas e econômicas, além de temas como direitos sociais, comportamento, cultura e esporte, numa visão ampla, plural e variada de política internacional.

Os artigos estão aglutinados em seis seções, que foram organizadas a partir da associação entre critérios temáticos e regionais. A primeira parte, Desafios Continentais, reúne textos que analisam, entre outros temas, a inflexão da política externa brasileira a partir de 2023. Os artigos nos quais se realizam o balanço dos 100 dias da política externa de Lula e o discurso do presidente na Assembleia Geral da ONU expressam um giro diplomático em relação aos quatro anos do governo Jair Bolsonaro. Sua melhor definição veio do ex-chanceler Ernesto Araújo. Ao comentar as diretrizes de sua gestão, baseadas em anticomunismo anacrônico, negacionismo científico e por filtrar as ligações do país num prisma ideológico que implicava relações preferenciais com governos e grupos de extrema-direita, Araújo saiu-se com a seguinte pérola: se a atuação do governo “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

A mudança de curso também expõe intenções e limitações atuais. O ano se iniciou com demonstrações exuberantes da diplomacia presidencial, com participações de Luiz Inácio Lula da Silva em fóruns e negociações, sintetizadas num bordão: O Brasil voltou. Com isso, o país reconquistou posição de destaque na defesa da sustentabilidade ambiental, na apresentação de propostas de paz para a guerra na Ucrânia, nas negociações do tratado Mercosul-União Europeia, na retomada de políticas e instituições de integração continental e em diversas oportunidades no âmbito do BRICS, do G20 e da Organização das Nações Unidas. Contudo, o genocídio em Gaza cometido por Israel, após sofrer ataque militar do Hamas no início de outubro, expôs as limitações internacionais de um país que não resolveu graves e antigos problemas internos. Isso se deu justamente quando o Brasil assumiu a presidência do Conselho de Segurança.

A grande equação a ser resolvida é como ter protagonismo num mundo em conflito sem ter uma política nacional de Defesa, sem uma indústria bélica autônoma, mantendo forças armadas subordinadas às estratégias da potência dominante, apresentando fortes tendências desindustrializantes e dando novamente curso a uma política econômica neoliberal? Tais dilemas se expressam nas páginas adiante, sendo identificados também nos caminhos trilhados pelos países da América Latina frente aos enormes desafios internacionais A segunda, terceira e quarta parte do livro, América do Norte, América Central e América do Sul reúnem artigos que versam sobre aspectos diversos da realidade social, política e econômica, incluindo, por exemplo, a participação das mulheres na dinâmica política da região. O grupo se dedicou a acompanhar os processos eleitorais ocorridos em 2023, gerando artigos que abordam as eleições presidenciais na Argentina, Paraguai, Guatemala e Equador, tendo focado também nas tensões políticas internas no Chile, Colômbia, Bolívia e na instabilidade institucional no Peru. O jogo político entre os setores progressistas que estão no poder na maioria desses países e sua respectiva oposição interna não passou despercebido aos pesquisadores do GT sobre a América Latina.

Na quinta parte, Para além do mapa, estão inseridos textos que versam sobre temas pouco recorrentes na academia e no jornalismo quando abordam o continente americano. Pesquisas sobre assuntos tão diversos quanto o status da maconha na região e os ganhadores latino-americanos do prêmio Nobel, ou mesmo o papel da indústria cultural, foram expressas em textos que contribuem para uma visão multifacetada da América Latina. A última parte concentra textos que trazem discussões sobre as perspectivas de futuro político ao continente, tendo em vista a permanência das ameaças da extrema-direita em alguns países da região. Os artigos se situam em tons intermediários entre o jornalismo de qualidade e produções acadêmicas strictu sensu. Ou seja, apresentam linguagem ágil, tratamento aprofundado dos assuntos e pluralidade de opiniões. Cabe destacar que muitos desses artigos têm sido alvo de atenções da imprensa não hegemônica do país. Pela qualidade do tratamento das fontes e pela linguagem direta e acessível, alguns artigos do GT foram reproduzidos por outras plataformas e meios de comunicação – como A Terra é Redonda, Brasil de Fato, Jornal GGN, DCM, Le Monde Diplomatique e Outras Palavras -, contribuindo para a visibilidade do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores do GT.

O OPEB foi criado no final de 2018 com o objetivo de pesquisar e refletir sobre as relações internacionais no governo Bolsonaro. De lá para cá, em ininterruptos trabalhos coletivos de dez grupos de trabalho que envolveram quase três centenas de pesquisadores, o Observatório se consolidou como referência para interessados em política externa, mesclando rigor acadêmico e abordagens acessíveis ao público amplo.

Os GTs são: América Latina, Comércio Internacional, Direitos Humanos, Diversidade e desigualdade, Inserção econômica internacional do Brasil, Meio ambiente, agricultura e mudança climática, Política de defesa, segurança e questão militar, Relações Brasil-China, Relações Brasil-EUA e Relações com África. Todos contaram com a direção de professores- -doutores e participação ativa de alunos-pesquisadores de graduação e de pós-graduação do Bacharelado de Relações Internacionais e dos programas de pós-graduação em Relações Internacionais (PRI) e em Economia Política Mundial (EPM). Nesse período, estabelecemos parcerias com a Fundação Friedrich Ebert (FES), a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), o Instituto Diplomacia para Democracia e o Centro Tricontinental, além do apoio para a produção do podcast Mulheres no Mapa em parceria com a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras (AMDB) e do Núcleo de Pesquisa em Política Externa Latino-Americana (NUPELA).

A obra é voltada especificamente aos dilemas e desafios enfrentados pela América Latina, mas sem perder de vista as possibilidades de interação com os assuntos abordados pelos demais GTs do OPEB. Nosso continente chega à virada dos anos 2023/24 imerso em imensas dificuldades resultantes de três anos de pandemia, uma pressão inflacionária global resultante da guerra na Ucrânia e do acirrado enfrentamento Leste Oeste. Tais disputas ganharam nos últimos anos novos atores: partidos de extrema direita com base de massas, que venceram eleições no Brasil e em El Salvador e que avançam na Argentina, no Chile, no Paraguai dentre outros da região. Encontram terreno fértil na precarização acentuada das condições de trabalho, moradia, de serviços públicos motivadas por políticas de ajuste fiscal adotadas por governos de direita, de centro e até mesmo de esquerda. Marcadas por infindáveis cortes orçamentários, privatizações e erosão de direitos sociais, elas acabam por concentrar renda, maximizar lucros de grandes conglomerados e favorecer a alta finança. Na base da sociedade, trazem desalento e desesperança na política. E abrem a porta para extremistas de direita, com propostas pretensamente moralistas e salvacionistas.

A superação desse jogo de soma zero entre duas vertentes que não alteram as estruturas geradoras da desigualdade, da exclusão e da falta de perspectivas para as maiorias só será alcançada tendo como ponto de partida o levantamento, a pesquisa e o diagnóstico de nossos problemas seculares.

Este livro tem a saudável pretensão de ajudar nesses estudos.

 

1. Professor de Relações Internacionais da UFABC, coordenador do OPEB e do GT de América

Latina.

2. Professora de Relações Internacionais da UNIFESP e coordenadora do GT de América Latina.

3. Pesquisador e monitor do OPEB

 

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