Direitos Humanos na PEB: violações maciças no ano da pandemia

Por Isabela Montilha, Mirella Sabião e Gilberto M. A. Rodrigues

As ações governamentais fecharam o ano com um saldo tremendamente negativo, colocando o Brasil ao lado dos regimes mais fechados e retrógrados do planeta e desacreditando a capacidade diplomática do país em utilizar com inteligência e pragmatismo seus estoques de credibilidade e parcerias com os países emergentes.

A história de 2020 foi marcada por um evento que afetou a toda humanidade, indistintamente. A pandemia de Covid-19 fez desse ano um dos mais difíceis da história contemporânea. Carregado de perdas, preocupação e luto, relembrou a todas e todos a fragilidade da vida humana e as necessidades das populações vulneráveis, ainda mais ameaçadas pela maior crise sanitária do século. Os direitos humanos se tornaram centrais nas discussões políticas e socieconomicas, em um cenário recheado de acontecimentos inacreditáveis. Um dos protagonistas de políticas contrárias à ciência, o Brasil foi (pessimamente) conduzido pelo presidente Bolsonaro, em seu segundo mandato, contabilizando mais de 200 mil mortos pela Covid-19. Dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente se acumulam no Congresso Nacional, além de denúncias em comissões e tribunais internacionais por violações de direitos humanos e danos consideráveis ao meio ambiente.

A palavra chave de 2020 para a situação brasileira é “negacionismo”. Nos fóruns internacionais que o presidente compareceu, muitas vezes ele utilizou seu tempo de fala para negar a existência de problemas no Brasil, como por exemplo o racismo, tema que está extremamente em pauta desde o surgimento do movimento Black Lives Matter, após o assassinato de George Floyd por policiais, em maio, nos EUA. Demonstrando uma total miopia racial ante as próprias peculiaridades raciais brasileiras, o corpo diplomático brasileiro, sob regência de Ernesto Araújo, se alinhou aos Estados Unidos em vetar em junho a criação de uma comissão internacional independente, junta ao Conselho de Direitos Humanos (CDH) que investigaria as ações policiais em manifestações. 

O desmatamento da floresta Amazônica, outra pauta central em 2020, também foi negada e distorcida por representantes do governo Bolsonaro em contextos multilaterais: diplomatas defenderam a primazia brasileira ante assuntos ambientais da região amazônica, politizando o debate e, de fato, defendendo o direito brasileiro de destruir seus próprios biomas. Tais eventos foram gradativamente culminando em grande perda de credibilidade brasileira no sistema multilateral.

Mudanças com a derrota de Trump

Para 2021, há uma perspectiva de mudança no posicionamento do governo brasileiro em pautas ambiental e social, diante da derrota de Trump (a quem Bolsonaro se alinhava de modo incondicional) e da vitória de Joe Biden, nos EUA. O candidato dos democratas invoca a questão ambiental de modo recorrente, ameaçando até impor sanções ao governo brasileiro caso não ocorram mudanças significativas nesse âmbito. Entretanto, o Brasil terá um longo caminho a percorrer se quiser recuperar a sua posição de prestígio no sistema internacional em um futuro remotamente próximo.

Em retrospectiva, 2020 foi marcado pelos posicionamentos ultraconservadores e retrógrados da delegação brasileira em diversas organizações internacionais. Como ilustração, em outubro houve o apoio brasileiro à proposta da Aliança Internacional para Liberdade Religiosa, lançada em 2019 dentro da Organização dos Estados Americanos e veiculada principalmente por grupos religiosos católicos e evangélicos, pela autorização à imposição da educação moral-religiosa por pais e responsáveis. Tal posicionamento teve eco no próprio discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, ocorrida em setembro, no qual o presidente discorreu sobre “cristofobia”.

Saúde e direitos

Contudo, em um ano “pandêmico”, o mais marcante descaso da gestão Bolsonaro com os direitos humanos ocorreu no campo da saúde. Minimizando os efeitos catastróficos da Covid-19 desde o início de sua transmissão no Brasil, em março, em episódios como rotular o coronavírus de “gripezinha”, o governo brasileiro tomou para si o título de um dos piores governos ocidentais no controle do vírus, sempre alinhado com os Estados Unidos sob a gestão Trump. No começo da pandemia o discurso bolsonarista criticava a “ditadura” do lockdown, supostamente alinhado com a empregabilidade e a segurança dos trabalhadores brasileiros – apesar de o Brasil não ter participado do Virtual Global Summit on COVID-19, organizado pela OIT em julho, em prol de uma cooperação internacional nas medidas de apoios para trabalhadores de todo o mundo.

Já em fase mais avançada de combate à Covid-19, no cenário da produção e aquisição de vacinas, com a demonização da Coronavac, parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac, o Brasil assistiu ao duelo entre o presidente Jair Bolsonaro (que se declarou abertamente contra a vacina e sua obrigatoriedade, além de promotor da hidroxicloroquina e azitromicina para tramentos precoces – não comprovados e a validados pela OMS)  e o governador de São Paulo, João Dória, que apostou na produção conjunta da vacina com os chineses. Em novembro, o presidente chegou a comemorar o falecimento de um dos voluntários do ensaio clínico da vacina, com um infame “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, ilustrando claramente a abordagem recorrente do governo de transformar pautas de saúde pública, sociais e ambientais em disputas políticas enviesadas. 

A PEB de Direitos Humanos fechou o ano com um saldo tremendamente negativo, colocando o Brasil ao lado dos regimes mais fechados e retrógrados do planeta e desacreditando a capacidade diplomática do país em utilizar com inteligência e pragmatismo seus estoques de credibilidade e parcerias com os países emergentes, sobretudo os BRICS, de cujos países – China, Índia e Russia – saem as únicas vacinas contra a Covid-19 – produzidas no Sul Global.

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