A ascensão do autoritarismo na Nicarágua

29 de junho de 2021

Por Davi Reis Procaci Gonçalves, Júlia Luvizotto Nóbrega, Luiza Gouvêa e Rios Cobra, Mirella Acioli, Nicole Lima (Foto: Oswaldo Rivas/Reuters/Veja)

 

A cinco meses das eleições presidenciais, a oposição de esquerda e de direita ao regime de Daniel Ortega denuncia escalada de perseguições políticas. Nas últimas semanas, somaram-se ao menos dezesseis presos, dentre os quais estão pré-candidatos à presidência, jornalistas e antigos partidários da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Os eventos compõem capítulos mais recentes da mudança de Ortega enquanto figura política, de revolucionário de esquerda a autocrata. Um agravante deste cenário é o enfrentamento da pandemia do coronavírus no país; são poucos os vacinados e o governo não disponibiliza os números reais da crise sanitária.

Introdução 

Desde 2018, a Nicarágua vem enfrentando um forte embate político entre a base governista e os opositores de vários campos do espectro político, marcada por episódios de repressão às manifestações e uma guinada autoritária do governo de Daniel Ortega, atual presidente do país. Pelo menos dezesseis opositores foram detidos, dentre os quais estão cinco presidenciáveis que buscam impedir Ortega de conseguir seu quarto mandato consecutivo nas eleições de novembro. Outros presos são jornalistas, empresários e ativistas, incluindo dissidentes sandinistas, como Dora María Téllez, Víctor Hugo Tinoco e Hugo Torres. Ativistas e organizações internacionais estão denunciando violações de direitos humanos por parte do governo.

Uma das mais simbólicas ordens de prisão aconteceu em 2 de junho, contra Cristiana Chamorro Barrios, uma das líderes da oposição de direita e filha da ex-presidenta Violeta Barrios de Chamorro, que derrotou Ortega nas eleições de 1990. A pré-candidata foi alvo de investigação por lavagem de dinheiro e má gestão da Fundação Violeta Barrios – que formalmente se dedica à promoção à liberdade de imprensa no país – , acusada de “gestão abusiva, falsidade ideológica, ambos em concurso real com lavagem de dinheiro, bens e ativos”. Cristiana Chamorro era a que tinha mais chances contra o atual presidente – 21% das intenções de votos contra os 30% do mandatário, segundo uma pesquisa da CID Gallup de maio -, e se encontra, atualmente, em prisão domiciliar.

As prisões foram realizadas com respaldo na Lei de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, à Soberania e Autodeterminação para a Paz, aprovada pela Assembleia Nacional em dezembro de 2020. A norma impede qualquer pessoa considerada “golpista” ou “traidor da pátria” a concorrer a cargos de eleição popular. 

Outras leis recém-sancionadas são as leis de Regulação de Agentes Estrangeiros e de Ciber Delitos. A primeira procura regular o financiamento externo de organizações civis, estabelecendo que os que recebem fundos internacionais não poderão realizar atividades que, segundo o regime, interfiram em temas de política interna e externa. Já a segunda coloca penas de até oito anos para a propagação de notícias falsas, a divulgação de informações confidenciais das instituições de Estado, publicações que incitem o ódio e a violência, e foi apelidada de “lei mordaça” pelos adversários de Ortega, por procurar silenciar vozes críticas no país. A Nicarágua figura na 121º posição da Classificação Mundial de Liberdade de Imprensa 2021, tendo caído quatro pontos desde o ano passado. Como base de comparação, vale dizer que o Brasil é o 111º dos 180 países catalogados. 

 

Interesses externos

A República da Nicarágua fica localizada na América Central, entre a Costa Rica e Honduras. Foi ocupada por Cristóvão Colombo em 1502 e dominada pela Coroa Espanhola até 1820, mas só em 1838 se tornou um Estado soberano. Desde sua colonização até os dias de hoje, o país possui uma economia dependente e que, assim como boa parte da América Latina, exporta produtos primários e do setor têxtil. Possui um IDH de 0,604, que é considerado um valor médio para o índice (o brasileiro fica por volta de 0,765), e tem mais de 6,6 milhões de habitantes.

A posição privilegiada do país entre o Oceano Pacífico e o Oceano Atlântico sempre despertou o interesse das potências globais. A constante interferência ianque na política interna demonstra seu interesse em se apropriar das riquezas locais. Já o interesse chinês na construção de um novo canal que interligue os dois oceanos pode ter despertado a ira estadunidense, que busca recuperar sua influência e controle, ao melhor estilo da Doutrina Monroe. 

Estima-se que o grupo chinês Hong Kong Nicaragua Canal Development invista aproximadamente US$ 50 bilhões e obtenha a administração do canal por 100 anos. Além disso, espera-se a criação de milhares de empregos e outras obras de infraestrutura, como aeroporto, ferrovia, portos, etc. Porém, as obras poderão causar o deslocamento de cerca de 30 mil moradores e obras no lago Nicarágua,  responsável por fornecer água potável ao país. Projeta-se que o canal poderá receber embarcações de até 330 mil toneladas (o dobro que o Canal do Panamá consegue), reduzindo os custos de transporte de minérios e de petróleo em até 60%. Estudos indicam que o canal poderia receber 4,5% do comércio externo mundial. 

Na Nicarágua, a classe trabalhadora é majoritariamente formada pelo campesinato, trabalhadores extrativistas e dos setores têxteis, a economia  envolve pequenas e médias indústrias e estabelecimentos comerciais. Essa economia responde por mais de 67,4% das exportações nicaraguenses, conforme dados da Divisão Internacional de Comércio do MRE. O setor também paga a maior parte dos impostos, mas não controla os excedentes gerados nacionalmente e apropriados pelo mercado nacional e internacional.

Trata-se de uma economia empobrecida, sem indústrias de ponta e com precária infraestrutura, que até os dias de hoje sofre com a ingerência estadunidense e que está lutando por sua soberania popular.

 

Ortega no poder 

Daniel Ortega iniciou a sua carreira política pública na  Revolução Sandinista, movimento popular que buscou o fim da ditadura de Anastasio Somoza Debayle (1936-79). O movimento visava construir um futuro de maior justiça social e melhores condições de vida para o povo de Nicarágua por meio da organização da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), e desde o início foi motivo de oposição por parte dos Estados Unidos, num contexto de Guerra Fria. 

Durante os anos da Revolução, houve investimentos reais em saúde e educação e uma reforma agrária foi realizada. Em 1985, com a vitória dos sandinistas e a eleição de Daniel Ortega, o presidente estadunidense Ronald Reagan – receoso de uma aproximação do novo governo com Cuba e a ex-União Soviética – passou a financiar os chamados “contras”, membros de milícias e mercenários de diversos países, que começaram uma verdadeira guerra civil no país. Em 1986, a Corte Internacional de Justiça reconheceu a ajuda dos estadunidenses nos eventos decorrentes da tomada de poder dos sandinistas e as milhares de mortes causadas pelos conflitos. Por anos, as mudanças desejadas pelos sandinistas foram dificultadas pelo uso do orçamento nacional para a defesa do território contra a ofensiva de Washington. Estrangulado por pressões externas e violência mercenária interna, o sandinismo perde as eleições de 1989.

Ortega voltou ao governo apenas em 2006, após três derrotas eleitorais consecutivas, e começou a instituir seu modo de governo, que mais tarde passou a ser reconhecido como “orteguismo”. Em sua sede de se manter no poder, o presidente se afastou cada vez mais dos discursos progressistas da FSLN e hoje se vê abandonado pelos antigos aliados de esquerda e não se mostra confiável para os seus possíveis eleitores da direita.  

A Constituição do país, que proibia que uma pessoa tivesse mais que dois mandatos presidenciais, sofreu alterações questionáveis na Corte Suprema para que Ortega pudesse chegar ao seu terceiro mandato. O presidente agiu de forma a eliminar as possibilidades de unidade das forças divergentes, por meio de reformas no sistema eleitoral e aumento do controle sobre os outros poderes, assim como formou aliança com a Igreja Católica, clara em seu slogan de campanha em 2011: “Por uma Nicarágua cristã, socialista e solidária”. Pelas incertas ações do presidente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia começaram a apontar as irregularidades do sistema político e principalmente eleitoral da Nicarágua.  

Dentre suas outras ações que inspiraram tal desconfiança internacional está a formação de uma nova oligarquia familiar, uma vez que a esposa de Ortega, Rosaria Murillo, se tornou sua vice-presidente e grande parte de seus filhos possuem cargos oficiais e administrativos no governo, são donos de negócios de distribuição de petróleo, direção de canais de TV e agências de publicidade beneficiadas com contratos públicos.  

O lado autoritário de sua liderança começou a ganhar mais ênfase após reprimir de forma violenta manifestações populares em 2018, com o uso de seu aparato militar paraestatal, organizado há anos em conjunto com o aparato de vigilância e controle político, que funcionam a partir de serviços públicos supostamente destinados ao acesso à saúde, educação e outros direitos sociais. Os atos de 2018 foram provocados por uma proposta de reforma previdenciária sob orientação do FMI, pela perda de autonomia das universidades públicas e pela demora do presidente em reagir a um incêndio possivelmente criminoso na reserva indígena Indio Maíz, uma vez que a reserva já vinha sofrendo desmontes por parte do governo. 

Segundo pesquisa realizada pelo Grupo Interdisciplinario de Expertos Independientes (GIEI), entre o dia 28 de abril e 30 de maio de 2018, a repressão militar ordenada pelo governo foi responsável por cerca de 109 mortes (1), mais de 690 pessoas detidas e ao menos 1400 feridas. Os canais de televisão vinculados à direita foram tirados do ar e os poucos pronunciamentos do casal presidencial foram para rechaçar as manifestações e as acusarem de organizarem um golpe de Estado. Equipes ligadas a organismos internacionais foram expulsas do país e a repressão aos participantes dos protestos continuaram após o fim dos atos, levando à fuga de milhares de nicaraguenses pelas fronteiras terrestres, principalmente até Costa Rica.  

O sucesso eleitoral de Ortega em três disputas consecutivas é, de certa forma, explicado por algumas mudanças sociais trazidas principalmente em seu primeiro e segundo mandatos, nos anos 1980. Os níveis de analfabetismo na população baixaram para um dos menores da região, foi estimulada a criação de cooperativas, instituída a gratuidade nos sistemas de saúde e educação, além da criação de uma rede nacional de distribuição de alimentos básicos a preços menores dos que os do mercado. As mudanças sociais não foram eficientes e duradouras, uma vez que o governo também se voltou ao neoliberalismo para aumentar o investimento estrangeiro na economia nacional, por meio de concessões e alianças com grandes empresas privadas que, apesar de serem em parte responsáveis pelo crescimento econômico do país, favorecem o enriquecimento de uma pequena parcela da população e aumentem a desigualdade social, uma das mais altas do continente. 

 

Reações da comunidade internacional

A forma arbitrária com que Ortega vem conduzindo o seu governo, sancionando leis autoritárias e prendendo opositores, tem chamado a atenção de organizações internacionais como a Humans Right Watch (HRW), que divulgou há poucos dias um relatório detalhando as violações de direitos humanos e crimes cometidos pelo governo na Nicarágua. O documento foi direcionado para a Organização das Nações Unidas e pede para que o tema seja tratado em caráter de urgência.

A situação é vista com muita apreensão pela comunidade internacional e um grupo de 59 países – incluindo EUA, Brasil e Costa Rica – já se posicionaram solicitando que Ortega liberte todos os detidos que foram presos por motivações políticas desde 2018, e cobra garantias de que o processo eleitoral ocorra de forma transparente e com livre manifestação e participação da oposição. Apesar dos relatos e denúncias sobre os atos violentos, ativistas e militantes denunciam a forma branda com que os Estados da região vêm lidando com a situação. Pedem para que mais países apliquem  sanções individuais para que a pressão sobre Ortega e seu governo sejam de fato efetivas a fim de que a repressão seja encerrada e os direitos básicos individuais de seus cidadãos respeitados. 

Diante de todos esses desdobramentos, há também o fenômeno de êxodo do povo nicaraguense que tem preocupado os líderes mundiais, pois, caso a situação não seja resolvida, a tendência é de que se instaure um possível desdobramento de imigração em massa. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) estima que cerca de 108 mil pessoas já deixaram o país desde que a repressão do governo Ortega se intensificou em 2018, e estão em busca de asilo político. O principal destino é a Costa Rica que já trava disputas fronteiriças com a Nicarágua e atualmente rompeu os laços diplomáticos, seguidos por Panamá e México.

 

Sanções econômicas 

Depois dos eventos mais recentes, os Estados Unidos foram os primeiros a impor sanção econômica a Ortega, seguidos da União Europeia. Contudo, essas não foram as primeiras punições sofridas pelo regime orteguista. Desde 2016 o Congresso dos Estados Unidos busca impor sanções à Nicarágua, como com a Lei de Condicionalidade de Investimentos da Nicarágua (NICA Act). O projeto de lei  visava impedir a Nicarágua de tomar empréstimos adicionais até que estivessem dispostos a adotar medidas para realizar eleições democráticas, tendo em vista suspeitas de fraude no pleito daquele ano. Ao considerarmos o histórico de intervenções estadunidenses nas frágeis democracias latino americanas fica evidente o caráter intervencionista dos EUA que ainda não aceita a perda de sua influência política na região desde o levante sandinista. 

A partir de 2018, familiares do líder nicaraguense e o próprio governo vem sofrendo bloqueios econômicos em decorrência das violações de direitos humanos e por promover perseguições políticas. Até financiamentos e empréstimos nas instituições internacionais (como o FMI) estão sendo dificultados para a Nicarágua. Além disso, atualmente, está em tramitação no congresso estadunidense a chamada Lei para Reforçar o Cumprimento das Condições para a Reforma Eleitoral na Nicarágua (Renacer, em inglês), que tem como objetivo fornecer embasamento jurídico ao país norte-americano, permitindo sua interferência na política interna do país latino-americano sem enfrentar obstáculos.

Em outubro de 2019, a União Europeia aprovou um pacote de medidas restritivas que impõe sanções específicas e individuais contra pessoas e entidades responsáveis por violações dos direitos humanos, por repressão da sociedade civil ou da oposição democrática na Nicarágua, o pacote foi renovado por mais um ano em outubro de 2020. O Conselho da União Europeia aponta que o regime de sanções foi estabelecido devido à sua preocupação frente à deterioração da situação política e socioeconômica do país, condenando ainda firmemente os atos repressivos aplicados desde abril de 2018 contra oposicionistas.  As sanções vão desde a proibição de viajar para a UE até o congelamento de bens. Além disso, é proibido a pessoas e entidades da UE disponibilizarem fundos aos sujeitos que estão na lista de sanções.

 

Endurecimento de sanções

No último dia 22 de junho, o Comitê de Relações Exteriores do Senado estadunidense aprovou uma norma que prevê aumentar, juntamente com os governos do Canadá e da União Europeia, as sanções seletivas contra “personalidades principais do regime de Ortega”, apontados por prejudicar a democracia da Nicarágua. Ela amplia a supervisão dos empréstimos de instituições financeiras internacionais à Nicarágua e pede que os Estados Unidos avalie a participação do país caribenho no Cafta-DR (o pacto de livre comércio entre os Estados Unidos, América Central e República Dominicana). Ainda adiciona a Nicarágua à lista de países centro-americanos sujeitos a restrições de visto relacionadas à corrupção e exige mais relatórios de inteligência sobre as atividades russas na Nicarágua.

Vale observar que o embargo sofrido pela Nicarágua afeta o país diferentemente do embargo sofrido por Cuba. Na Nicarágua, os bloqueios econômicos afetam a posse dos bens e financiamentos internacionais individuais-pessoais, enquanto Cuba enfrenta um bloqueio comercial, financeiro e econômico total que acaba atingindo toda a população. Trata-se de um golpe indireto. No último dia 23/06, a ONU condenou pela 29ª vez o embargo dos EUA a Cuba, com maioria esmagadora. No caso venezuelano, as pressões se dão em barreiras à importação de diversos produtos, além de sanções individuais dirigidas a membros do governo.

Outra questão que chama a atenção é que a reforma da previdência proposta em 2018 seguiu as recomendações propostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O presidente eleito com 72% dos votos tentou negociar com os setores mobilizados, mas segundo denúncia de Alba Palacios, dirigente da Associação de Trabalhadores do Campo (ATC), e deputada da Frente Sandinista de Libertação Nacional, os protestos “queriam apenas derrubar o governo”. Se lembrarmos de toda a articulação envolvida na condenação do presidente Lula no Brasil na mesma época, fica mais clara a ingerência estadunidense nos territórios latino-americanos. Alba Palacios continua, “éramos o país com maior segurança cidadã na América Central, com maior nível de desenvolvimento, o país com a inflação mais controlada na região, o país mais seguro em desenvolvimento econômico e com políticas sociais para a população. De um dia para o outro, isso virou um horror, começaram a aparecer crimes de todo o tipo, assassinatos, incêndios de casas. E tudo era direcionado para parecer como se fosse culpa do governo”, tática bem semelhante a empregada durante o golpe contra a presidenta Dilma Roussef. 

O Canal da Nicarágua e sua aproximação com o governo chinês também chamam a atenção de Biden, uma vez que aumentaria a influência chinesa a poucos quilômetros dos EUA e também garantiria um alto fluxo de capital internacional ao país, promovendo a independência política da Nicarágua frente ao governo estadunidense.

 

A pandemia na Nicarágua

Desde que a Nicarágua registrou o primeiro caso de coronavírus, em 18 de março de 2020, os números da pandemia são questionados. Órgãos independentes e críticos da gestão da pandemia no país têm feito as suas próprias apurações e reivindicado os dados oficiais apresentados pelo governo. Enquanto o Ministério da Saúde contabiliza  7.877 casos e 189 mortos até o momento, o Observatório Cidadão (organização criada por médicos independentes) fala em 17.813 casos suspeitos e 3.403 mortes. Nas últimas semanas, as infecções têm aumentado, contabilizando em média 22 novos contágios relatados a cada dia, segundo estatísticas oficiais.

Ainda em 2020, o Ministério da Saúde afirmou que “não estabeleceu, e nunca estabelecerá, nenhum tipo de quarentena”, contrariando, assim, o que a maioria dos países ao redor do mundo vem fazendo para diminuir a circulação do vírus. Segundo o governo nicaraguense, a pandemia está sob controle e a adoção de medidas como o fechamento do comércio é rejeitada por ser prejudicial à economia. Essa narrativa adotada pelo governo expõe, mais uma vez, a forma arbitrária e sem diálogo com que Daniel Ortega conduz sua gestão. No país, tem ficado famoso o “enterro expresso”, em que apenas três familiares da vítima podem acompanhar o enterro que é feito em minutos. Apesar desses enterros mostrarem a realidade devastadora do Covid-19, a maioria dos óbitos são dados por “pneumonia atípica”, com a intenção de passar uma falsa ideia de normalidade e manipulação dos dados oficiais.

O governo anunciou em janeiro que administrava a compra de 7,4 milhões de doses, o suficiente para imunizar, numa primeira etapa, 55% da população. O país também receberá 2 milhões de doses em doações do consórcio Covax, que são os imunizantes utilizados são AstraZeneca e Sputnik V. A vacinação, considerada “voluntária” pelo Estado, começou em março de 2021, e apenas 168 mil pessoas, aproximadamente, receberam a primeira dose até o momento. O número é considerado baixo pois a população total nicaraguense é de 6,5 milhões de habitantes. Assim, além das crises políticas, a população mais vulnerável está sem respaldo governamental para sobreviver e enfrentar a crise do coronavírus no país.  

 

O Brasil e a Nicarágua

As relações diplomáticas entre o Brasil e a Nicarágua são pautadas, principalmente, sob cooperações tecnológicas e científicas intensificadas a partir de 2008 no final do governo Lula, e que culminou na adoção do padrão japonês de TV digital, também adotado pelo Brasil, em todo o território nicaraguense a partir de 2015. Já as relações comerciais são favoráveis ao Brasil, pois, somente em 2018 a balança comercial entre os dois países fechou com um superávit de US$ 90,58 milhões para os brasileiros.

O governo Bolsonaro vem se posicionando contrário ao governo de Ortega nas instituições internacionais. Como por exemplo, em 2020 na Organização dos Estados Americanos (OEA) onde votou para a aprovação da resolução intitutala como “Restauração das Instituições democráticas e do respeito aos direitos humanos na Nicarágua por meio de eleições justas e livres”, em que se reconhece a fragilidade institucional nicaraguense e a necessidade de observadores internacionais durante o processo eleitoral. Porém, a última nota oficial do ministério das relações exteriores condenando formalmente a conduta do governo de Ortega é de 2018.

O caso nicaraguense é complexo e precisa ser examinado em suas nuances. Embora alinhado a Cuba, Venezuela e busque relações estreitas com a China, o que coloca o país na seletiva política externa de Washington, é inegável que Daniel Ortega segue um caminho autoritário e elitista, bem diverso dos tempos da Revolução Sandinista (1979-89).

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