A Colômbia rumará para a esquerda?

 31 de maio de 2022

Por Ana Beatriz Aquino, Audrey Andrade Gomes, Felipe Teixeira, Gustavo Mendes de Almeida, Henrique Mario de Souza, Júlia Cardoso de Magalhães e Laura do Espírito Santo Silva (Foto: Unsplash e Pixabay)

 

A Colômbia é palco da mais dramática e importante eleição presidencial de sua história independente. Pela primeira vez, um candidato de esquerda chega ao segundo turno com chances reais de vitória no país que vive um quadro de violência endêmica nas disputas políticas pelo menos desde o pós-Guerra. 

Como se sabe, Gustavo Petro, 62, economista, ex-prefeito de Bogotá e ex-ativista do grupo guerrilheiro M-19, alcançou 40,31% do total de votos no primeiro turno (29 de maio), seguido por dois candidatos de direita, Rodolfo Hernández, 77, grande empresário e ex-prefeito de Bucamaranga (28,17%) e Federico “Fico” Gutierrez (23,89%), 47, ex-prefeito de Medellin, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. A rodada eleitoral se completa em 19 de junho.

Num país em que o voto é facultativo e com a possível soma de sufrágios conservadores, a maior expectativa da campanha de Petro é convencer parcela expressiva dos 45% do eleitorado que decidiu ficar em casa no último domingo. Ainda de acordo com as regras locais, os segundo e terceiro colocados da disputa assumem uma vaga no Senado e na Câmara. A posse do futuro presidente está prevista para 7 de agosto. 

A atual eleição tem sido registrada como a mais violenta da história do país, mesmo após quase seis anos do acordo de paz celebrado entre o governo e a guerrilha. Petro só se apresenta publicamente utilizando colete a prova de balas, é protegido por seguranças portando escudos capazes de deter balas de fuzil e faz seus discursos num púlpito blindado. Somente nesta campanha, a brutalidade de grupos paramilitares, do crime organizado e do próprio Estado e já fez mais de 200 vítimas (Fundação Paz e Reconciliação – Pares).

Os principais candidatos

Gustavo Petro concorre pela terceira vez pela coligação Pacto Histórico. Suas propostas visam fortalecer a capacidade de investimento do Estado, transitar o modelo de economia exportadora de commodities para um padrão industrial, garantir direitos de trabalhadores e de pequenos produtores rurais, realizar uma reforma agrária e apoiar as agendas ambientais, além de promover políticas para indígenas, mulheres e afrodescendentes.

Rodolfo Hernández é um demagogo de extrema-direita que já elogiou Adolf Hitler publicamente. Coloca-se como o candidato antissistêmico e da antipolítica. Não à toa, sua coligação denomina-se Liga de Gobernantes Anticorrupción, buscando repetir um mote que garantiu a eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil. Pretende criar programas de habitação e uma política de zero impunidade na questão da criminalidade. Também planeja investir em ciência e tecnologia. Curiosamente, enfrenta investigações por denúncias de corrupção.

Federico “Fico” Gutiérrez é o postulante da direita neoliberal tradicional. Concorreu pela Coalición Equipo por Colombia. Suas propostas giravam em torno da criação de leis antimáfia e combates à corrupção. Embora não fosse inicialmente o candidato de Álvaro Uribe, acabou recebendo o apoio do ex-presidente nas últimas semanas. Isso lhe foi fatal. O uribismo se transformou na mais importante corrente política colombiana nos últimos vinte anos, desde a eleição de 2002, mas enfrenta séria rejeição popular. O ex-presidente é um advogado com especializações em Harvard e Oxford, ex-governador do departamento de Antioquia e o mais expressivo líder da extrema-direita colombiana. Tornou-se popular pela violência empregada contra a guerrilha, que se estendeu a setores da oposição. 

O presidente da República Iván Duque Márquez é seu apadrinhado político.   O uribismo é um segmento pró-americano da política colombiana e promoveu políticas de caráter liberal e autoritário durante o seu mandato. 

Em 2021, Duque propôs uma grande reforma tributária, que envolvia um aumento de impostos que incidiriam sobre mercadorias e serviços (aumentando em até 19% o preço de luz, gás e saneamento). A medida envolvia ainda a redução da parcela de cidadãos isentos do imposto de renda (passando a incluir os trabalhadores que recebem mais de dois salários mínimos). 

As reformas geraram uma forte reação social. Milhares de pessoas foram às ruas no que ficou conhecido como a maior paralisação da história do país, com duração de mais de dois meses, entre abril e junho do ano passado. A resposta do Estado foi enviar a polícia e as forças armadas para confrontar os manifestantes, o que resultou em cerca de 4,2 mil feridos e 52 mortos, segundo o levantamento de organizações de direitos humanos. Acresça-se a isso, o virtual descontrole da pandemia, que gerou um total de mais de 140 mil mortes, proporção semelhante à do Brasil. 

A aprovação do governo desabou, após uma contração do PIB da ordem de 6,8%, em 2020 (Banco Mundial). Duque descumpriu, desde o começo do mandato (2018), diversas regras estabelecidas no Acordo de Paz. Assinado em 2016, em Havana, durante a presidência de Juan Manuel Santos, um ex-aliado de Uribe, o pacto celebrado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) apresentou-se como uma proposta promissora, que poderia gerar mudanças significativas para o país. 

Entre os anos de 2016-18, as FARC entregaram armamentos e territórios, e muitos ex-guerrilheiros ingressaram na vida civil, apesar da pauta de reforma agrária, constante nos documentos firmados, não ter avançado muito. Após a posse de Duque, a violência tornou a aumentar e lideranças sociais ligadas ou não às FARC foram vítimas de homicídios e ameaças. Alguns dos territórios que antes estavam sob posse dos guerrilheiros, hoje estão sob domínio de grupos paramilitares e do crime organizado.

As coalizões

O Pacto Histórico é uma coalizão formada em 2021 por 17 partidos políticos e movimentos sociais alinhados à esquerda e centro-esquerda. Possui apoio de uma base ampla, e em segundo turno deve buscar uma margem de crescimento nos votos dos 45% dos cidadãos colombianos que se abstiveram no primeiro turno. 

Já a Liga é um partido independente de direita e extrema-direita que viu as intenções de voto de seu candidato crescerem exponencialmente nos últimos dias de, desbancando o principal adversário de Petro, e favorito ao segundo turno, Fico Gutiérrez. A Liga contou apenas com o recente apoio do Partido Verde Oxígeno, da também candidata íngrid Betancourt que desistiu da corrida eleitoral com a intenção de apoiar Rodolfo Hernández. No segundo turno, a campanha de Hernández deve receber apoio majoritário de candidatos da direita colombiana. Dentre eles, o próprio Gutiérrez, que já afirmou seu voto em Hernández para a segunda etapa das eleições presidenciais colombianas. 

A ascensão de Petro 

A Colômbia jamais teve um presidente progressista. A presidência do país foi historicamente ocupada por integrantes da elite oligárquica. A ascensão progressista ocorre a partir dos grandes protestos que ocorrem desde 2019, e em especial o Paro Nacional de 2021. Embora uma elevação geral de impostos em produtos de primeira necessidade se configure como o estopim das manifestações, é necessário compreender que a revolta tem como origem o aprofundamento da pobreza e da desigualdade social, além de questões ligadas à paz e à segurança no país.  

 

De acordo com o relatório do Banco Mundial “Building an Equitable Society in Colombia”, o país se configura como o segundo mais desigual da América Latina, bem como o mais desigual entre os integrantes da OCDE. Ao longo de quase um século, o Partido Liberal e o Partido Conservador se revezaram no poder, aplicando políticas alheias à criação e sustentação de uma sólida base de proteção social.  

 

Dados do DANE (Departamento Administrativo Nacional de Estadística), mostram que a taxa de desemprego na Colômbia é superior a 12%. Ademais, a variação anual dos preços ao consumidor está na casa dos 5,66%, o número mais elevado nos últimos treze anos. Em 2020, o PIB colombiano caiu 6,8%, e desde o ano passado vem tentando se recuperar. É possível notar que, embora os resultados da Colômbia não se mostrem tão graves quanto em alguns países da região, a famigerada estabilidade macroeconômica supostamente proporcionada pelo neoliberalismo no país vem encontrando seus limites.

 

Outro ponto importante a ser compreendido concerne à questão da segurança. A forte repressão policial às grandes manifestações que ocorreram nos últimos três anos, foi responsável por dezenas de mortes, violência sexual e prisões arbitrárias, se configura como fato que revolta a população colombiana, que cobra, por exemplo, a extinção do Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), 

Não se pode analisar a situação da Colômbia como um fato isolado na América do Sul. A ascensão de Petro ocorre no mesmo contexto em que o Chile elegeu o progressista Gabriel Boric, em que o Peru levou ao governo Pedro Castillo, em que a Argentina consagrou Alberto Fernández e em que a Bolívia derrotou um golpe de Estado e abriu caminho para a vitória de Luis Arce. 

O papel das Armas

Assim como no Brasil, a Colômbia encontra em seus militares uma séria ameaça ao processo democrático. Desde o início da campanha eleitoral era esperado que Gustavo Petro enfrentasse resistências das forças armadas à sua candidatura, considerando sua atuação na guerrilha e propostas de campanha que diminuiriam o poder dos militares no país. Contudo, após o candidato denunciar relações entre membros do alto escalão e narcotraficantes, a animosidade atingiu novos níveis: Eduardo Zapateiro, comandante do exército, realizou uma série de tweets contra Petro, acusando-o de corrupção, além de mentir sobre a corporação.

 

A Constituição da Colômbia de 1991 estabelece que os membros das forças de segurança não podem ocupar postos políticos, votar ou até mesmo se manifestar politicamente enquanto exercerem tais cargos. As declarações de Zapateiro geraram reações diversas no cenário político colombiano, fazendo com que a esquerda e o centro se unissem para pressionar investigações sobre a conduta do comandante, enquanto o atual presidente Ivan Duque prontamente defendeu as manifestações do militar.

 

O progressismo possível

A vitória de Gustavo Petro à frente do Pacto Histórico possibilitaria a inédita existência de um governo progressista no país. A oposição de direita, maioria no Congresso e Senado, pode buscar desestabilizá-lo.

Hoje o Pacto Histórico não possui força política para promover mudanças estruturais, mesmo assim, a necessidade de renovação política na Colômbia urge por um governo que faça forte oposição à base política historicamente já estabelecida no país. A Colômbia exerce importante papel nas relações Norte-Sul, tanto por ser um centro da articulação estadunidense na América do Sul por conta de sua posição geográfica que contempla também acesso aos países caribenhos, da América Central e dos andinos, quanto por sua capacidade de alterar essa situação. Ou seja, possibilitando uma reestruturação na relação das soberanias latinas ao contribuir para a não intervenção externa na reestruturação progressista autônoma na região.

 

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