Peru: repressão e instabilidade no governo Boluarte

18 de abril de 2023

 

Por Gabriel N. Silva, Ivan Cersosimo Valverde, Mônica Almeida Peña e Tatiane Anju Watanabe (Imagem: Presidência do Peru)

 

A destituição e prisão do presidente Pedro Castillo, seguida de violência contra setores populares, torna confusa a situação local. Lideranças progressistas condenam a ruptura no país. Lula e Gabriel Boric emitem posições ambíguas.

 


Dina Ercilia Boluarte Zegarra, eleita primeira vice-presidenta no 2º turno das eleições de 2021 que elegeu o professor Pedro Castillo Terrones, assumiu o cargo de Presidenta da República com o golpe de Estado de 7 de dezembro de 2022.

 

Com a destituição, vastos setores da sociedade peruana esperavam dela a convocação de novas eleições imediatamente após a posse. Ao contrário, Boluarte pediu “tempo para resgatar o país da corrupção e do desgoverno e uma trégua para instalar um governo de unidade”. 

 

Apesar de clamar pela unidade nacional através do diálogo, o novo governo, nesses quatro meses, é marcado por violência e repressão contra parcelas da população que, desde a prisão de Castillo, colocam-se na oposição. As demandas principais são pela antecipação das eleições presidenciais, a libertação do ex-presidente, a dissolução do congresso e a instauração de uma Assembleia Constituinte.

 

Na mira da justiça

 

Na última semana de março, a justiça peruana anunciou a ampliação da investigação contra ela por suposta lavagem de dinheiro e por financiamento ilegal na campanha presidencial de 2021. As investigações contra Pedro Castillo e Dina Boluarte vêm desde 2021, no início do mandato.

Em pesquisas realizadas entre 22 de dezembro e 23 de fevereiro, a desaprovação do governo Boluarte só cresceu, chegando a 74% de reprovação. Essa taxa somada às revoltas iniciadas em dezembro agregaram diversos componentes ao ambiente já conturbado do país. Em linhas gerais, a população tem sido reprimida de forma agressiva. 

 

Números do autoritarismo

 

De acordo com dados atualizados, os protestos contra Dina Boluarte e o Congresso já deixaram 67 peruanos mortos. Desse total, 49 foram assassinados durante as repressões militares e policiais. Havia sete menores de idade entre eles. Seis soldados morreram em decorrência de uma ordem militar, considerada imprudente, para cruzar o Rio Ilave. E 11 civis morreram de complicações de saúde durante bloqueios de estradas e outros motivos relacionados às movimentações.

 

No dia 4 de abril, foi votado no Congresso uma “moção de vacância” (equivalente a uma moção de impedimento) contra a presidenta, apresentada pelos partidos de esquerda, com a acusação de “incapacidade moral” pelo seu papel na repressão popular. 

 

A maioria dos assentos do Legislativo é preenchida por partidos de direita e extrema-direita. Apesar de apresentarem diferenças com o governo Boluarte, também não querem a volta do progressismo ao poder. Na votação da moção, a bancada de centro se aliou à direita contra a medida. Para a sua aprovação, eram necessários 52 votos e a esquerda tem somente 35 de um total de 130 congressistas. Dessa forma, a moção foi rejeitada, com 37 votos a favor, 64 contrários e 10 abstenções. 

 

A antecipação das eleições presidenciais já foi apresentada quatro vezes ao congresso, duas pela própria Boluarte. Já a luta pela construção de uma nova Constituição política, constante no programa de governo de Castillo, segue ignorada no âmbito institucional. Ressalta-se que a atual Carta peruana foi promulgada pelo ditador Alberto Fujimori em 1993, sendo instituído o financiamento empresarial de partidos políticos e seus candidatos. Isso tem como consequência a manutenção quase que permanente das forças mais conservadoras no congresso, aliadas ao empresariado peruano. 

 

O golpe parlamentar

 

O segundo turno das eleições presidenciais aconteceu em 6 de junho de 2021, em meio à Pandemia de Covid-19, com fragilidades institucionais e um cenário de crises consecutivas. A disputa se deu entre Keiko Fujimori – representando a extrema-direita fujimorista, herdeira do ex-ditador Alberto Fujimori – e a chamada “esquerda popular”, personalizada por Pedro Castillo. Na volta anterior, havia 19 candidatos!

 

Castillo, professor de escolas rurais, superou diversas figuras tradicionais do meio político, após crises de corrupção, incluindo uma Lava-jato – operação com mesmo nome da brasileira e mesmo intuito – que trouxe à tona escândalos da Odebrecht (empresa brasileira).. Keiko Fujimori englobava aspectos mais tradicionais e era inerentemente ligada à figura de seu pai, o que levou a um Peru com sentimento “anti político”. Seu sobrenome embute uma rejeição ainda não de todo superada.

 

Castillo teve seu mandato contestado desde o início, enfrentou dificuldades para governar um país com instituições fragilizadas. Constitucionalmente vigora um semiparlamentarismo, no qual o Congresso tem amplas facilidades para destituir o chefe do Executivo. Esses dispositivos já afetaram os governos de Kuczynski (2016-18), Martin Vizcarra (2018-2020) e Manuel Merino (2020 – 2020). Para abrir um processo de vacância, são necessários 26 dos 130 votos; para aceitação da medida seriam 52 e para aprovação da destituição, são preciso 87 votos a favor. 

 

Ainda pela letra da Carta, o chefe de Estado pode dissolver o Congresso. Está no artigo. Em setembro de 2019, o então presidente Vizcarra dissolveu o parlamento. Por contar com uma boa relação de força política e social e um forte repúdio popular ao Congresso, a medida se concretizou. No entanto, a conjuntura não era a mesma para Castillo, que em uma tentativa desesperada e sem articulação política – apesar da rejeição de 86% ao Legislativo, segundo pesquisa do Instituto de Estudios Peruanos (IEP) – se isolou completamente e caiu. 

 

Assim, a direita peruana, que desde a sua posse tentava derrubá-lo, teve êxito via parlamento, com 101 votos a favor da moção. Em menos de 30 minutos de sessão, a vice-presidente assumiu o poder. Castillo segue preso até hoje, sob acusações de rebelião e conspiração. 

O partido Peru Libre, em que o ex-presidente se elegeu foi contra a tentativa de dissolução do congresso, mas também contra o golpe de Estado. Castillo afastou-se da agremiação em 2022.

 

Esse processo político suscita duas visões: uma que o ex-presidente tentou um auto-golpe ao anunciar o fechamento do Congresso; e outra que aponta o ex-presidente como vítima de um golpe de Estado. Vale sublinhar que em nenhum momento o professor tomou medidas ilegais para tentar continuar no poder. 

 

Posicionamento dos líderes vizinhos 

 

Após a destituição, diversas lideranças latino-americanas condenaram o golpe, como o presidente cubano, Miguel Diaz-Canel, o venezuelano Nicolás Maduro, o colombiano Gustavo Petro, o mexicano Lopez Obrador, o argentino Alberto Fernandéz, o boliviano Luis Arce e a hondurenha Xiomara Castro. Ainda, Fernandéz, Arce, Petro e Lopez Obrador emitiram um comunicado conjunto no dia 12 de dezembro clamando pela restituição de Castillo à presidência.

 

Na XIII Cúpula ALBA-TCP, sediada em Havana no dia 15 de dezembro, as lideranças presentes (Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas; Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, Granada e Cuba) novamente condenaram o golpe. 

No Brasil, Lula, que ainda não havia assumido a presidência, manteve um posicionamento ambíguo: “É sempre de se lamentar que um presidente eleito democraticamente tenha esse destino, mas entendo que tudo foi encaminhado no marco constitucional”. Foi um sério tropeço de sua equipe de política externa. Gabriel Boric, presidente do Chile, também reconheceu a nova presidente do país andino.

 

Quanto à repressão do governo Boluarte contra a sua própria população, os principais líderes vizinhos, Brasil, Chile e Argentina, não se pronunciaram em nenhum momento sobre essa situação, ao contrário de Arce, López Obrador e Maduro. No final de fevereiro, após o presidente mexicano questionar a legitimidade do governo e do Congresso peruano, afirmando que governam “com baionetas e com repressão”, o seu embaixador no país foi expulso. E no Brasil, o presidente Lula tem sofrido pressão de partidos de esquerda, como PSOL, para que proíba a venda de artefatos letais e não letais para o governo peruano, que pode ser usado para reprimir manifestações.

 

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